O legislador e o próprio Supremo Tribunal Federal estão mais sensíveis a estas mudanças

O mercado de trabalho sofreu grandes transformações. Até a década de 1970, a relação trabalhista era baseada no modelo industrial. O trabalho era presencial, em tempo integral e por prazo indeterminado, mediante subordinação direta e pessoal, submetendo-se o empregado às ordens do empregador. O Direito do Trabalho e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foram estruturados nesse ecossistema industrial.

Porém, o avanço tecnológico, impulsionado pela Quarta Revolução Industrial, modificou profundamente o mundo do trabalho. Há prestação de serviços em regime de teletrabalho e em plataformas digitais, em horários flexíveis. Existem contratos de franquia, prestação de serviços por pessoas jurídicas (PJs), além da própria terceirização.

A dicotomia “empregado x autônomo” perdeu importância. Esses novos arranjos, com cada vez maior especialidade, desafiam o legislador e os tribunais a apreender as novas realidades sociais, econômicas, tecnológicas, políticas e culturais, para que o Direito do Trabalho continue desempenhando seu papel com eficácia.


Entre as mudanças legislativas interessantes, a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) alterou diversos paradigmas. Passou a permitir a terceirização irrestrita (Lei 6.019/74, art. 4º-A), superando antigo entendimento sumular do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Regulamentou-se o teletrabalho (CLT, art. 75-A e ss) e deu-se novo impulso à negociação coletiva, ao vedar a ultratividade da norma coletiva (CLT, art. 614, §3º) e ao melhor regular a prevalência do negociado em face do legislado em determinadas matérias (CLT, art. 611-A).

Outra mudança bem-vinda foi a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que limitou o intervencionismo estatal, prestigiou a livre iniciativa e reconheceu a liberdade como garantia no exercício de atividades econômicas.

No Brasil, a legislação protecionista e intervencionista sempre foi uma marca registrada, criando resistência a mudanças. Juízes do trabalho não podem continuar menosprezando as novas modalidades contratuais, em especial de prestação de serviços, como se todo trabalhador fosse hipossuficiente ou necessite do aparato protetor da CLT. E pior, presumindo que qualquer serviço prestado é subordinado e de natureza empregatícia.

Há novas relações entre o Direito do Trabalho e o Direito Civil, no que se refere à autonomia individual dos contratantes, à luz da Teoria dos Atos Próprios. Além disso, permanece o vezo de se aplicar o princípio de proteção, sem o indispensável ressignificado. Ora, tal princípio busca concretizar a igualdade material, conferindo tratamento desigual aos desiguais, na medida das desigualdades.

Existem trabalhadores aos quais não se aplica o mesmo grau de proteção conferido aos trabalhadores hipossuficientes. Ao aplicar, indistintamente, o princípio da proteção, a Justiça do Trabalho acaba gerando injustiças.

A própria reforma trabalhista reconheceu a importante situação fática: nem todo trabalhador é hipossuficiente. Criou a figura do trabalhador hipersuficiente, com nível superior e que percebe salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) dão novo alento, permitindo olhar voltado ao futuro – e não ao passado. Nos julgamentos do RE 958.252 (Tema 725, de Repercussão Geral) e da ADPF 324, o STF reconheceu a constitucionalidade da terceirização irrestrita. Mesmo porque, como ficou assentado, nunca houve vedação legal para se terceirizar atividade fim.

Já no julgamento da ADC 66, o STF ratificou a constitucionalidade do artigo 129, da Lei 11.196/2005, que legitima a prestação de serviços intelectuais sob as regras fiscais e previdenciárias aplicáveis às pessoas jurídicas.

Como se vê, a recente jurisprudência do STF aponta verdadeira mudança paradigmática. Se antes os tribunais consideravam contratações sem vínculo de emprego como presumidamente fraudulentas – salvo prova em contrário –, agora inverte-se a dinâmica interpretativa. Em vez de presumir-se fraude, deve ser presumida a validade da pactuação civil, afastando-a apenas quando comprovadas a nulidade e a incidência dos requisitos ensejadores do reconhecimento de vínculo empregatício.

Os julgados mencionados revalorizam o princípio da boa-fé contratual nas relações trabalhistas. Busca-se, com essa mudança de paradigma, vedar comportamentos contraditórios de trabalhadores que se beneficiam de vantagens inerentes ao contrato civil (auferir renda mais alta, incidência de menores alíquotas de imposto de renda, flexibilidade de horários e condições de trabalho), e que depois pleiteiam o reconhecimento do vínculo de emprego na Justiça do Trabalho.

Essas novas diretrizes apenas atestam a nova lógica das relações de trabalho. O rápido avanço tecnológico desafia, especialmente, os operadores do Direito do Trabalho. O legislador e a própria Corte Constitucional estão mais sensíveis a estas mudanças. Eventuais resistências de alguns juízes do trabalho em enquadrar relações civis e comerciais no ecossistema celetista perdem espaço perante a jurisprudência vinculante do STF.

Fonte: Jota

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