Conceito de praça para IPI: o Carf segue a lei ou a lei segue o Carf?

O Congresso analisará nesta quinta-feira (17/3) o veto presidencial a um importante tema relacionado ao Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI): o conceito de praça. Será analisado o veto ao PL que delimitou praça como o município onde está localizado o remetente da mercadoria, em um debate que impacta a tributação nos casos de operações realizadas entre empresas interdependentes.

A alteração consta no PL 2110/19, que tem por objetivo esclarecer o artigo 15 da Lei 4.506/64. O dispositivo, que é utilizado pela legislação do IPI como referência para a tributação nos casos de operações entre uma empresa industrial e uma comercial atacadista interdependentes, define que o Valor Tributável Mínimo não pode ser inferior “ao preço corrente no mercado atacadista da praça do remetente”.

O dispositivo tem por objetivo evitar que indústrias não reduzam artificialmente a base de cálculo do IPI ao enviarem mercadorias a empresas ligadas a um preço abaixo do de mercado. A legislação define que deve ser observado o preço praticado na “praça” do remetente, porém não deixa claro o que seria praça.
A dúvida já chegou diversas vezes ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que em decisões recentes conferiu interpretação extensiva ao conceito de praça.

Exemplo é o processo 16561.720182/2012-65, envolvendo a Avon Industrial e analisado no final de 2019 pela 3ª Turma da Câmara Superior do Carf. A empresa tem sede na capital paulista, mas a fiscalização utilizou preços praticados em Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, e em Maracanaú, no Ceará, para questionar o IPI recolhido.

O tema dividiu os conselheiros: enquanto os representantes dos contribuintes entenderam que o termo praça abrangeria somente o município, os representantes do fisco consideraram que preços praticados em outras localidades poderiam ser utilizados para o cálculo do IPI. O tema foi decidido pelo voto de qualidade.

Na própria ementa da decisão consta a observação de que o conceito é aberto a interpretações: “o conceito de praça, utilizado no art. 136, I, do RIPI/2002 (art. 195, I, do RIPI/2010), não tendo sido o legislador específico quanto à abrangência territorial, comporta interpretação, melhor se identificando com o mercado, que não tem necessária identidade com configurações geopolíticas, em especial a de um Município”.

O entendimento amplo do que seria praça está descrito no trecho de um voto da conselheira Tatiana Josefovicz Belisário, citado pelo relator no caso da Avon. “’Praça’ tem a ver com mercado. Isto chega a ser intuitivo. As fronteiras definidas pelo Estado são configurações geopolíticas e as áreas de influência comercial há séculos com elas não necessariamente se confundem (hoje, com o comércio eletrônico, pode-se bem dizer que a praça de determinados produtos é o mundo)”, descreve a julgadora.

A posição, porém, é questionada por tributaristas, que apontam que uma leitura abrangente do dispositivo poderia causar uma distorção no total a pagar do IPI. Além disso, a situação atual causaria insegurança jurídica, já que estaria nas mãos da fiscalização definir o que pode ser considerado como praça.

A discussão do assunto no Carf tornou-se relevante pelo fato de o tribunal ter sido citado pelo presidente Jair Bolsonaro ao vetar integralmente o PL 2110/19 em outubro de 2021. Com base em informações do Ministério da Economia, o presidente afirmou que a proposta legislativa causaria insegurança jurídica por estar em descompasso com o que decidiu o conselho em 2019. Na ocasião, o Carf definiu que o conceito de praça pode abranger também regiões metropolitanas.

Tributaristas consideraram a justificativa difícil de engolir. Em primeiro lugar pelo fato de o Carf ser obrigado a seguir as leis, e não o contrário. Além disso, as divergências no conselho e o próprio texto das decisões reconhecem que há uma lacuna na definição de praça.

A justificativa presidencial ainda cita o “risco potencial de novos litígios em relação a casos já julgados na esfera administrativa”, sob o argumento de que a nova lei poderia ser aplicada a fatos pretéritos.

De novo, a argumentação causou estranhamento, já que o posicionamento barraria basicamente qualquer alteração tributária favorável aos contribuintes.

No Congresso, ao que tudo indica, a tendência é de derrubada do veto. Indiretamente, os congressistas responderão se, afinal, o Carf deve seguir a lei ou a lei deve seguir o Carf.
Fonte: JOTA

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