Reforma tributária e desigualdades sociais

É importante abordar os projetos envolvidos nessa ‘colcha de retalhos’ que é a reforma tributária brasileira. Nos últimos anos, muito se ouviu falar em reforma tributária e na necessidade de mudanças no sistema tributário brasileiro. Iniciados em 2019, esses debates ganharam força e ainda se mantêm aquecidos, mas estão longe de solucionarem problemas reais.

Segundo o Ministério da Economia, a meta é, gradualmente, substituir o atual modelo, que é injusto, caro e complexo, por mecanismos mais eficazes e equânimes, mas será que assuntos como “desigualdades sociais” foram incluídos na pauta, para que de fato esses objetivos sejam alcançados?

Antes de debatermos essa provocação, é importante abordar os projetos envolvidos nessa “colcha de retalhos” que é a reforma tributária brasileira.

Apresentada em etapas pelo governo federal, através do Ministério da Economia, o objetivo da reforma é simplificar e tornar o sistema mais justo e menos desigual, além de estimular a produtividade e o investimento, aumentando a empregabilidade e a renda.

1ª fase: Cria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal com objetivo de substituir o Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)
2ª fase: Trata dos impostos indiretos sobre o consumo. A intenção é simplificar e unificar tributos como Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), entre outros
3ª fase: Objetiva mudanças no Imposto de Renda de empresas (baixar a tributação) e pessoas físicas (retirar deduções, como as médicas e, em compensação, diminuir as alíquotas)
4ª fase: Cria o imposto sobre pagamentos digitais, que lembra a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). A principal diferença aqui é que esse imposto tem uma base mais ampla, que atinge mais pessoas, à alíquota de 0,2%.
Embora a mudança no sistema tributário nacional seja de extrema relevância, discute-se a sua necessidade em tempos de pandemia. Vale salientar que existem questões sociais que devem ser solucionadas para que, de fato, tenhamos um sistema mais justo e equânime.

Nesse contexto, o objetivo desse artigo é abordar alguns desses temas de forma simples e objetiva, mostrando os projetos envolvidos e seus impactos perante a população.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019 – Câmara dos Deputados:
Em trâmite na Câmara dos Deputados, a PEC 45/2019 foi apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e propõe a unificação de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) em um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), denominado Imposto sobre Bens e Serviços, o famoso IBS. O Simples Nacional não seria afetado por esse imposto.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019 – Senado Federal:
Em trâmite no Senado Federal, pensada pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), apresentada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) e com conteúdo idêntico ao substitutivo aprovado na Comissão Especial da PEC 293/2004 da Câmara dos Deputados em 2018, a PEC 110 também tem como objetivo a simplificação e a racionalização da tributação sobre a produção e a comercialização de bens e prestação de serviços.

Nessa proposta, um dos principais pontos é a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, pois divide as competências entre estados/municípios (unificação de ICMS e ISS) e a União (unificação de PIS, Cofins e IPI).

Projetos de Lei (PL) 3887/20 e 2337/21 — Poder Executivo:

PL 3887/2020 – Tributação sobre Valor Agregado
Proposta enviada ao Congresso em julho de 2020, prevê a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituirá o PIS/Pasep e a Cofins.

A CBS é inspirada nos modelos internacionais de Imposto de Valor Agregado (IVA) de tributação uniforme do consumo. Com a CBS, será possível acabar com a cumulatividade com a cobrança apenas sobre o valor adicionado pela empresa (sua margem). Isso representa menos custo para as empresas, mais recursos para investir e crescer.

PL 2337/2021 – Reforma do Imposto de Renda
Enviada ao Congresso em junho de 2021, segundo o Ministério da Economia, a mudança traz avanços na tributação sobre a renda de famílias e empresas. Tal alteração corrige distorções, reduz privilégios, diminui a cobrança de Imposto de Renda dos trabalhadores, estimula o investimento nas empresas e racionaliza a tributação de várias aplicações financeiras para beneficiar os pequenos investidores.

Em relação à reforma do Imposto de Renda, muito se discutiu sobre sua inoportunidade em um quadro severo que inclui riscos fiscais, cambiais, inflação elevada, desabastecimento de produtos essenciais, entre outros, o que desagradou muitos contribuintes.

Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 128/2019 – IVA dual:
De autoria do deputado Luis Miranda (DEM-DF), a PEC 128/2019 tramita na Câmara e promove mudanças no sistema tributário para reduzir a participação dos impostos sobre o consumo e aumentar a tributação sobre renda e lucro.

Fazendo um apanhado geral, todas as medidas convergem para a criação de um IVA. Porém, embora elas tragam inúmeros pontos positivos para a população, como a própria unificação de tributos e diminuição significativa de obrigações acessórias, é de extrema relevância demonstrar seus impactos negativos.

Levando em consideração que a tributação tem relação, não só com os artigos 3º e 170 da Constituição Federal, mas com muitos outros dispositivos da nossa Carta Magna, o sistema tributário deve atuar para reduzir a pobreza e a desigualdade econômica.

A carga tributária, da forma como é composta no Brasil, certamente agrava as desigualdades socioeconômicas, porque onera mais quem menos tem. Ao deixar de lado renda, patrimônio e capital e recair, quase que exclusivamente, sobre o consumo, onera, assim, as classes menos favorecidas, tornando o sistema tributário brasileiro excessivamente injusto.

Por esse motivo, o sistema tributário não pode ser visto isolado de questões constitucionais, devendo sempre observar o combate à pobreza e redução de desigualdades e pensar no desenvolvimento nacional como um todo.

Em relação a tributação sobre o consumo é essencial e urgente uma reanálise das alíquotas para que elas sejam de fato mais equânimes. Uma questão que evidencia como a estrutura fiscal pode promover a igualdade – e aqui, não só social, mais de gênero –, é a questão da pobreza menstrual e a importância do debate sobre a essencialidade dos absorventes para fins de inclusão desse item na cesta básica. A discussão sobre esse tema é fundamental, por conta da alta tributação que recai sempre sobre os menos favorecidos e em geral mulheres negras (que estão na base da pirâmide).

Já em relação ao Imposto de Renda que, atualmente, incide sobre a renda a partir de R$ 1.903,98, pesquisa do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) aponta que o salário mínimo, para arcar com as necessidades de saúde, alimentação, moradia, transporte e lazer, deveria ser de cerca de R$ 4.400, o que atingiria a última faixa.

Em razão disso, duas medidas para proteger os menos favorecidos e atingir quem tem mais poder aquisitivo seriam aumentar a faixa de alíquota e revisar as bases de cálculo para alcançar quem está no topo da pirâmide.

Por fim, é possível concluir que, após a apresentação de diversas propostas de uma reforma tributária (com muitas questões políticas envolvidas), inoportuna e necessária, o cenário atual mostra que problemas sociais não estão na pauta do atual governo, mas deveriam estar.

Para a solução de algumas medidas apresentadas é necessária uma redistribuição da carga tributária no Brasil que, atualmente, incide sobre o consumo e recai sobre a população de baixa e média renda, essa que consome toda a sua renda em produtos essenciais para a sobrevivência.

Questões sociais precisam ser melhor debatidas, o sistema tributário não pode ser visto isolado de questões constitucionais.

A famosa frase “onde todos pagam, todos pagam menos” só será real se observados o combate à pobreza e reduções das desigualdades socioeconômicas.

Fonte: JOTA

Fale Conosco