Decisão foi da 3ª Câmara de Direito Privado. 8ª Câmara do TJSP negou pedido similar sob fundamento de insegurança jurídica. A 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) garantiu a uma pessoa que se identifica como do gênero não-binário o direito de mudar de nome para que ele seja neutro e também que no registro civil conste a informação “agênero/ gênero não especificado”.
Na primeira instância, o pedido havia sido extinto sem resolução do mérito, pelo juiz Fernando Henrique Azevedo, da 2ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional de Vila Prudente, em São Paulo, sob a justificativa de que “aos transgêneros que assim o desejarem, independente de cirurgia de transgenitalização, ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição do prenome e sexo diretamente no registro civil”.
O juiz citava o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 4.275, que trata sobre a alteração da informação de gênero, garante que uma pessoa pode mudar sua definição de gênero nos documentos do feminino para o masculino, e vice-versa, mas a decisão não especificava sobre o gênero não-binário.
A pessoa recorreu e sustentou que não pretendia a alteração do gênero de nascimento de masculino para feminino caso em que haveria apenas transexualidade binária, porque não se identifica com o gênero masculino nem com o feminino, sendo pessoa não-binária. Por isso, requereu a mudança do nome e a modificação do gênero que lhe foi atribuído no nascimento, de masculino para “gênero não especificado/agênero”.
A Procuradoria de Justiça apresentou parecer contrário, ao apontar a falta de “previsão no ordenamento jurídico que possibilite a identificação de ‘agênero’. Por outro lado, o gênero ‘não especificado’, como alternativa de apelante, contradiz a própria menção do registro originário apontando o sexo masculino.”
Para o relator do caso, desembargador Carlos Alberto de Salles, como o STF estabeleceu a orientação na ADI 4.275, tendo em vista transgeneridade binária, “seria incongruente admitir-se posicionamento diverso” para quem é não-binário, uma vez que, também quanto a eles, “há dissonância entre nome e sexo atribuídos no nascimento e a identificação da pessoa, devendo igualmente prevalecer sua autonomia da vontade”.
Em outras palavras, pontuou, não há razão juridicamente relevante para distinguir entre transgênero binário cujo direito a alteração de nome e gênero já foi reconhecido pelo E. Supremo Tribunal Federal e transgênero não-binário, como a pessoa que ajuizou a ação.
O desembargador rebate o argumento da Procuradoria de Justiça, ao afirmar que “se, por um lado, não há previsão legal para a inserção de ‘gênero não especificado’ ou ‘agênero’ no registro civil (arts. 54, 2º, Lei 6.015/1973), certo é que a mencionada lei faz referência expressa à necessidade de o assento de nascimento conter ‘o sexo do registrando’, sem mencionar as possibilidades de ‘gênero’ a serem passíveis de constarem no assento de nascimento, uma vez que este último difere do sexo biológico”.
Sexo biológico e identidade de gênero são independentes, afirma o julgador. Gênero “é conceito que diz respeito à identificação do indivíduo com papeis sociais que normalmente são atribuídos a pessoas do sexo masculino ou do sexo feminino”.
O relator foi acompanhado de forma unânime pelos colegas, de forma que a decisão servirá como alvará para emissão de novos documentos à pessoa que ajuizou a ação. O caso tramita com o número 1001973-14.2021.8.26.0009.
Decisão contrária ao gênero não-binário
A 8ª Câmara de Direito Privado do TJSP possui um entendimento divergente sobre o gênero não-binário. Há um mês, foi negado um pedido semelhante de uma pessoa que pedia a retificação do sexo feminino constante em seu registro civil de feminino para “não especificado ou neutro ou agênero”, uma vez que sua identidade de gênero não é nem homem nem mulher, está entre os sexos ou além, ou é uma combinação de gêneros.
A pessoa sustentava que estava se preparando para externar aparência andrógina, com a consequente modificação de seus aspectos físicos exteriores, transformando-se numa pessoa do gênero neutro, e se encontrava em situação vexatória ao ostentar documentos que não apresentam informações que identifiquem a situação física e psíquica dela. Desta forma, nos documentos deveria constar a sigla “X” ou “N”, de neutro, em substituição de “F”, de feminino.
Ela afirmava que a falta de identificação com o gênero feminino acabou por acarretar inúmeros transtornos familiares, bem como graves conflitos internos, sendo que constantemente sofre de crises de ansiedade e depressão em consequência do transtorno de identidade de gênero, o que foi diagnosticado por sua psicoterapeuta.
Apesar da argumentação, os desembargadores entenderam que “a alteração pretendida referente à alteração de identidade de gênero para: sexo ‘X’ ou ‘N’ ou não especificado ou neutro ou agênero, no lugar de feminino ou masculino “acarreta insegurança jurídica”.
“Ao contrário dos precedentes referidos, em que se permitiu a modificação do sexo feminino para masculino e vice-versa, aqui a pretensão é de ambas as opções serem excluídas, de modo que a apelante não seria nem do sexo feminino, nem do masculino, mas sim de um sexo inespecífico, o que vai além do que já se permitiu realizar neste campo”, justificou o relator, desembargador Alexandre Coelho.
O pedido, argumenta, não seria respaldado pelo sistema legal brasileiro, sendo juridicamente impossível. “Pleitear retificação de gênero no nosso ordenamento pátrio é perfeitamente viável, como se viu, mas dentre as opões disponíveis e atendidos os requisitos pertinentes. O que não se permite cogitar é pessoa sem sexo definido”, escreveu.
O caso que negou possibilidade de identificação de gênero não-binário nos documentos tramita em segredo de Justiça com o número 1112624-68.2020.8.26.0100.
fonte: JOTA