Sucessão patrimonial, coesão familiar e os princípios da administração clássica

Ausência de planejamento pode se tornar pendência incômoda, ou mesmo traumática, para os sucessores do patrimônio. O acúmulo patrimonial pelo patriarca, matriarca, ou pelo casal verdadeiramente pode ser uma benção para as próximas gerações: segurança financeira, oportunidade de trabalhar com o que deseja, conforto e satisfação são apenas uma pequena amostra de todo o universo de possibilidades existentes.

Contudo, a ausência de planejamento pode se tornar uma pendência incômoda, ou mesmo traumática, para os sucessores daquele patrimônio.

O tempo médio de acervo de um processo judicial no 1° grau da Justiça Estadual Brasileira, conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2020[i], é de sete anos, isto, é claro, excluindo-se eventuais recursos e complexidades inerentes a um patrimônio mais robusto envolvendo imóveis, empresas, ações e outros ativos.
Então, neste intervalo, além do desgaste, dos custos de transação com advogados, contadores e administradores, é alta a probabilidade de se perder o fluxo de sucesso na administração do negócio que garantiu o acúmulo de capital. Afinal, desde a concepção da teoria clássica da administração[ii], conceituada no início do século XX por Jules Henri Fayol, o ato de administrar é entendido como a junção do exercício de prever, organizar, comandar, coordenar e controlar[iii]. Logo, é papel do gestor do patrimônio familiar encarar esta tarefa de preparar os negócios e a família para a sua ausência.

Encaixando tais princípios da administração nesta ideia de planejamento sucessório, vemos que prever o evento morte é uma tarefa simples de visualização do futuro; organizar se ajusta com a criação da estrutura interna e externa, compatível com esta previsão inevitável; comandar implica neste direcionamento da melhor situação para continuidade da atividade empresarial e da prosperidade familiar; coordenar leva a unir e harmonizar os interesses e as aptidões de cada um, para intensificar o esforço coletivo em prol da meta em comum; e controlar significa conferir que as regras e direcionamentos estabelecidos estão sendo aplicadas.

Assim, vê-se que o ato de administrar tem como missão e tarefa a realização de um planejamento sucessório de qualidade, adequado às particularidades daquela família.

São inúmeras as soluções jurídicas, as quais se exemplifica: holding familiar, testamento, doações em vida, plano de governança, sendo pertinente descrevê-las brevemente.

A holding familiar nada mais é do que a constituição de uma pessoa jurídica que objetiva deter o controle do patrimônio em comum de pessoas físicas da mesma família. Tal estrutura possibilita a proteção dos ativos familiares e o planejamento de regras societárias para gerir estes bens.

O testamento é ato jurídico de última vontade, que condensa as decisões da pessoa detentora do patrimônio a respeito do destino de seus bens após a sua morte. Este documento, que se pode dizer indispensável em boa parte das situações, também pode conter disposições não patrimoniais, incluindo o reconhecimento de filhos, confissões e outras forma de expressar os desejos para após a morte.

A doação em vida é um negócio jurídico que traz alguns riscos, a depender de como for realizada, pois é legalmente considerada como adiantamento de herança quando realizadas em prol de filhos e do cônjuge[iv].

A governança familiar é um conjunto de regras, processos, políticas e costumes que visam a estruturação e alinhamento dos interesses do grupo familiar e dos negócios. É comum que as metas de uma empresa familiar ultrapassem a simples visão do lucro, incluindo-se também a satisfação de sonhos e interesses pessoais de cada integrante, sendo importante a análise detalhada do grupo para se ter um panorama da melhor estrutura de governança aplicável, pois a organização, além de ser um princípio do ato de administrar, é um pilar de evolução de humana.

A sucessão, de fato, é uma tarefa desafiadora: pensar nas consequências de sua morte, visualizar cenários possíveis e racionalizar sobre temas eminentemente emocionais, são apenas alguns pontos da jornada. Também por isso, o planejamento deve ser corajosamente enfrentado, pois, como demonstrado pela estatística de duração de tempo de um processo na Justiça, estas dificuldades não sanadas desaguam em um procedimento judicial fatalmente ineficiente para lidar com as complexidades de uma transição desta natureza.

Assim, independente da forma de patrimônio constituído, do(s) instituto(s) jurídico(s) escolhido(s) para assegurar o patrimônio, vê-se que a sucessão patrimonial planejada é uma missão que deve ser desempenhada em vida pelos detentores do patrimônio acumulado, como uma medida de proteção e perpetuidade dos bens e da coesão familiar.

Fonte: JOTA

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