A modernização dos contratos de parceria em curso

Desafios da reconstituição do modelo regulatório de contratos antigos.
Mais do que nunca, há entre os atores envolvidos na concepção e gestão desses projetos a preocupação comum de viabilizar contratações resilientes, capazes de sobreviver mesmo aos períodos mais dramáticos, como o que vivemos com a pandemia[3][4]. Se hoje os contratos de longo prazo já são – ou ao menos pretende-se que sejam – concebidos para se conformarem e resistirem às esperadas alterações nos cenários fático, jurídico e regulatório ao longo do tempo, persiste o desafio de incorporar essas mudanças nos contratos de concessão estruturados na década de 1990, quando a ideia de parcerias ainda era incipiente no Brasil.

Se ainda fizer sentido a manutenção do contra (tema complexo, que merece discussão dedicada), caberá às partes a difícil tarefa de modernizar seu contrato. Uma forma interessante de começar esse desafio é realizar a reconstituição do modelo regulatório desses contratos, mediante o preenchimento de lacunas e a interpretação das disposições contratuais existentes, de modo a compreender as premissas adotadas pelo Poder Público quando da estruturação do projeto e um juízo de percepção da realidade vivenciada para viabilizar a aderência da orientação contratual aos fatos.

Não se trata, aqui, de revisitar o contrato para impor ônus adicionais a uma parte em detrimento da outra, mas, ao contrário, de permitir que contratos mais antigos possam incorporar os conceitos, mecanismos e metodologias mais atuais no âmbito das parcerias público-privadas, conferindo maior previsibilidade a ambas as partes e maior flexibilidade ao instrumento contratual. De fato, a partir da identificação do modelo regulatório do contrato, torna-se possível a construção de propostas de melhoria e aperfeiçoamento contratual.

A tarefa, contudo, não é das mais simples.

Em primeiro lugar, as partes precisam atuar cooperativamente para a identificação das premissas contratuais, buscando construir dialogicamente soluções que permitam o aperfeiçoamento do contrato. Nesse ponto, há espaço para que as partes concluam pela inadequação ou ineficiência de determinada prática para o melhor aproveitamento do projeto.

Para citar um exemplo, é incomum que contratos mais antigos disponham sobre metas ou indicadores de desempenho a serem cumpridos pela Concessionária ao longo da execução contratual.

Apesar disso, é possível que as partes, a partir da compreensão das especificidades e características do projeto, decidam conjuntamente pela inclusão de indicadores de desempenho ao contrato, definindo como eles serão tratados e de que forma impactarão a relação entre as partes.

Do mesmo modo, as partes podem empreender esforços conjuntos para depreenderem a matriz de riscos original do contrato, quando não houver previsão contratual expressa sobre a alocação de riscos entre as partes, a fim de endereçá-los contratualmente[5]. A partir disso, pode-se falar, inclusive, na modernização e atualização da distribuição de riscos para conformá-la às melhores práticas e à própria realidade contratual.

Estamos tratando de contratos que já somam muitos anos de vigência e que, naturalmente, mesmo quando contam com indicação expressa da distribuição de riscos entre as partes, não tratam (e nem poderiam fazê-lo) de todas as situações que podem impactar a execução contratual e a própria capacidade de gerenciamento de riscos que embasou a conformação original da distribuição desses riscos entre Concessionária e Concedente.

É preciso que as partes compreendam que não estão em posições antagônicas, mas buscando, de forma paritária e dialogada, construir propostas de aperfeiçoamento e modernização contratual que permitam a prestação adequada do serviço público ao usuário. O intuito não é modificar as obrigações e compromissos contratuais assumidos originalmente pelas partes e tampouco alterar as premissas que levaram à contratação. É, sim, propor a modernização do contrato, partindo dessas mesmas obrigações e premissas, a fim de adequá-lo às boas práticas.

Para isso, as partes podem, inclusive, se valer de apoio de consultorias técnicas contratadas justamente para identificar a conformação regulatória original do contrato (ou mesmo de verificadores ou comissões que venham a ser incorporados no contrato como mecanismo de composição) e, a partir disso, propor soluções de melhoria.

Nesse mesmo sentido, a contratação de um terceiro que funcione como um equilíbrio para moderar essa discussão pode ser uma boa ferramenta para conferir a dinamicidade necessária a esses contratos, evitando o seu engessamento e a preservação de práticas que, muito embora fizessem sentido no passado, quando o projeto foi concebido, hoje podem ser pouco eficientes ou insuficientes para os propósitos perseguidos com o projeto.

Por último, mas não menos importante, destaca-se a necessidade de que a reconstituição do contrato e eventuais propostas de modernização contratual devem atender às finalidades e aos objetivos originalmente pretendidos pela Administração Pública com o empreendimento. A prestação do serviço público adequado aos usuários é e sempre deverá ser o cerne de qualquer decisão tomada pelas partes no âmbito do contrato, de modo que qualquer proposta de alteração, atualização ou aperfeiçoamento somente será válida se servir aos interesses dos usuários e à manutenção da qualidade, adequação e atualidade dos serviços contratados (com a incorporação de ferramentas de transparência e tecnologia, de preferência).


[3] Os contratos de longo prazo demandam a inclusão de mecanismos que confiram a esses instrumentos a flexibilidade necessária para a conformação às inevitáveis transformações provocadas pelo tempo, garantindo que os objetivos pretendidos pela Administração Pública com a contratação sejam alcançados ao longo de toda execução contratual.

[4] O desenvolvimento dessa percepção é resultado da experiência prática com os contratos de parceria, que, em sua conformação original, se assemelhavam muito mais aos contratos de empreitada tradicionais do que com os atuais contratos de concessão e parceria público-privada. Mas se aplica também, em alguma medida, a contratos que, após sua assinatura, não foram cuidadosamente geridos (o que, infelizmente, é comum de acontecer).

[5] Por vezes, elementos como a alocação de riscos entre as partes, regras sobre reequilíbrios e as obrigações centrais do concessionário não são facilmente identificáveis ou não são endereçados nos contratos, suscitando entre as partes uma série de dúvidas e questionamentos cujas respostas são de grande relevância para que os resultados pretendidos com o projeto continuem sendo alcançados.

Fonte JOTA - Por: ISADORA COHEN

Fale Conosco