Uma análise do plano de trabalho da OCDE e da RFB para analisar divergências nos preços de transferência
O ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vem sendo negociado há vários anos. No governo de Donald Trump, houve o compromisso do presidente americano de contribuir para que o Brasil seja aceito na organização. Mas isso ainda parece distante.
Além de todas as questões envolvendo melhorias em áreas como economia, infraestrutura, gestão pública, meio ambiente e políticas sociais, existem também as questões legais e jurídicas em negociação.
Em fevereiro de 2018, a OCDE e a Receita Federal do Brasil (RFB) iniciaram um plano de trabalho para analisar as semelhanças e divergências das regras brasileiras de preços de transferência, em comparação com as normas internacionais que observam as Diretrizes da organização.
O primeiro resultado foi divulgado em dezembro de 2019, quando foi lançado o Relatório Conjunto OCDE-RFB, onde foram identificadas as principais divergências e destacadas as ineficiências da legislação brasileira, que acabavam ocasionando, no âmbito internacional, hipóteses de dupla tributação, ou ainda de dupla não tributação, aumentando, assim, a probabilidade de riscos de erosão da base tributária e transferência de lucros (Base Erosion and Profit Shifiting – BEPS).
Diante desse cenário, concluiu-se que a melhor alternativa para o Brasil seria o alinhamento integral com as diretrizes desenvolvidas pela OCDE. Considerando, porém, que o sistema de margens fixas previstas nas normas brasileiras garante, no âmbito doméstico, maior simplicidade e segurança jurídica, os contribuintes brasileiros expressaram preocupações quanto ao possível aumento de complexidade, custos e litígios, por ocasião da implementação de novas normas no Brasil.
Assim é que, no início deste ano, foi lançada uma pesquisa pública para o desenvolvimento de medidas de simplificação setoriais (para o desenvolvimento de safe harbours, levantamento de informações para dados de comparáveis, e desenvolvimento de Acordos de Preços Antecipados – Advanced Price Agreement– APAs entre outras), como parte da fase de implementação do projeto conjunto de preços de transferência.
Atualmente, a RFB e a OCDE analisam as respostas dos contribuintes à pesquisa pública realizada, para que, a partir disso, possam desenvolver um ambiente normativo com novas regras brasileiras de preço de transferência, incluindo, nesse contexto, medidas de simplificação.
Há ainda diversas lacunas no Relatório Conjunto OCDE-RFB que precisam ser endereçadas de forma a alcançarmos um alinhamento integral com as normas internacionais, principalmente no que se refere ao tratamento a ser dispensado às transações mais complexas (exemplo: uso ou transferência de intangíveis, serviços intragrupo, acordos de contribuição de custos, reestruturações de empresas e transações financeiras), que não são contempladas pela norma brasileira.
Por outro lado, a burocracia brasileira é também um grande obstáculo a ser superado nas diversas fases da implementação das novas regras:
(i) durante o desenvolvimento das novas regras brasileiras de preço de transferência, considerando a complexidade do tema, e das normas tributárias em geral, a redação deve ser clara e objetiva. Adicionalmente, deverá versar sobre as medidas de simplificação e as transações complexas (conforme mencionado anteriormente) e a documentação;
(ii) o processo de aprovação da nova norma, que poderá ocorrer por Medida Provisória (MP) ou Projeto de Lei, requerendo, assim, a aprovação do Congresso Nacional e do Presidente da República;
(ii) na implementação da nova norma, que enfrentará o desafio da clareza da redação, da capacitação dos contribuintes e da administração fazendária à nova metodologia e os requisitos.
Tendo em vista que estamos migrando de um sistema objetivo, baseado em margens fixas preestabelecidas, que permite ao contribuinte aplicar o método que lhe é mais benéfico para um sistema subjetivo, estima-se um aumento no contencioso em matéria de preços de transferência no país (processos demorados, de aplicação imprevisível ou inconsistente de padrões internacionais).
O sistema subjetivo depende da interpretação pelo contribuinte e da autoridade tributária quanto ao alcance do conceito de arm’s lenght, em muitos casos do uso de comparáveis e da interpretação de qual seria o método mais apropriado para a transação.
Nesse contexto, um desafio a ser enfrentado será a mudança no relacionamento contribuinte-autoridade tributária, ainda em marcha.
Fonte: JOTA