Em um cenário repleto de desafios e riscos, empresas de transporte de cargas enfrentam, constantemente, ameaças à segurança de suas operações. Uma dessas ameaças é a possibilidade de sinistros, especialmente roubos de carga, que costumam causar sérios prejuízos financeiros.
A cláusula de Dispensa de Direito de Regresso (DDR)
Nesse contexto, o mercado de seguro de cargas, há algum tempo, passou a operar com a cláusula de Dispensa de Direito de Regresso (DDR),pela qual a seguradora(ou o próprio segurado, com anuência da seguradora)concede à transportadora uma isenção no sentido de não ser exigido dela o ressarcimento, em regresso, das indenizações pagas pela seguradora ao segurado em casos de sinistros de transportes.
Ou seja, caso a carga seja roubada, e desde que a transportadora siga criteriosamente as exigências de gerenciamento de risco impostas pela seguradora, a empresa de transportes não terá qualquer responsabilidade em arcar com o prejuízo, embora sua atividade seja medida pelo risco objetivo, cabendo a ele garantir que a carga chegue ao destino de modo íntegro, não havendo qualquer causa que possa retirar dele tal responsabilidade.
A condição de não regresso, em tese, tem o caráter de possibilitar à seguradora selecionar melhor os transportadores a seu serviço, beneficiando quem faz jus a ela pela excelência na prestação de serviços.
Acontece que o elevadíssimo número de roubo de cargas que ocorre no Brasil, na prática, torna a cláusula DDR letra morta, na medida em que as condições impostas pelas seguradoras são cada vez maiores e, muitas delas beirando a impossibilidade de cumprimento pelas transportadoras, especialmente pela lógica dos custos envolvidos.
Ou seja, para cumprirem a contento todas as condições previstas no Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) imposto pela seguradora, e que lhe garantirá a isenção do dever de indenizar os prejuízos sofridos pelo embarcador em caso de roubo da carga, a transportadora incidirá em custos que praticamente inviabilizam a própria operação.
Manutenção dos efeitos da cláusula DDRem favor da transportadora
Recentemente, tivemos um caso perante o TJSP onde a seguradora buscou responsabilizar a transportadora após um sinistro envolvendo o roubo da carga. A seguradora alegou que a transportadora não havia cumprido integralmente o Plano de Gerenciamento de Riscos (PGR) e buscou uma indenização regressiva dos valores que pagou ao embarcador, alegando e ineficácia da cláusula DDR.
Basicamente, a decisão do TJSP analisou o caso diante de 3 eixos principais:
1. Responsabilidade objetiva da transportadora e presença de excludente de responsabilidade: Embora o Tribunal tenha reafirmado a responsabilidade objetiva da transportadora, reconhecendo que ela é automaticamente responsável pela carga desde o momento em que a recebe, até a entrega ao destinatário, a decisão também destacou a presença do roubo como excludente de responsabilidade baseada na força maior ou caso fortuito, conforme previsto na Lei n. 11.442/2007, tornado crucial a comprovação de negligência por parte da transportadora para que a responsabilidade fosse mantida.
2. Cumprimento adequado do PGR: A seguradora argumentou que a transportadora não havia seguido estritamente o PGR, o que teria facilitado o roubo. No entanto, a decisão considerou que a transportadora havia adotado medidas razoáveis, como a consulta prévia do motorista, mesmo que não tenha ocorrido conforme o especificado no PGR. Além disso, ficou demonstrado que o caminhão tinha sistema de localização GPS ativo e em funcionamento no momento do sinistro, restando demonstrada a importância da análise detalhada das práticas de segurança implementadas pelas transportadoras.
3. A relevância da cláusula DDR: O elemento crucial do julgamento foi a presença da cláusula DDR no contrato entre as partes e, principalmente, a demonstração de que a conduta da transportadora foi adequada, na medida em que não se configurou negligência que tivesse possibilitado a perda da carga, o que somente foi possível pela demonstração de medidas preventivas por parte da transportadora, ainda que não fossem aquelas exatamente impostas no PGR.
Conclusão
O caso ilustra, de forma concreta, como a cláusula DDR, em contratos de seguro de transporte de cargas, pode ser um recurso valioso para as empresas de transporte, se bem compreendido o papel da transportadora frente à mitigação dos riscos decorrentes de sua própria atividade, frente às exigências impostas no PGR que, muitas vezes, servem apenas para tornar ineficaz o benefício da cláusula de dispensa.
Mais importante ainda, é compreender e determinar, no contexto da discussão jurídica, quais os principais eventos, fatos e provas pelos quais se poderá reconhecer o direito da transportadora.
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