Imóvel em nome de pessoa jurídica pode ser reconhecido como bem de família caso sirva de moradia dos sócios

Imóvel em nome de pessoa jurídica pode ser reconhecido como bem de família caso sirva de moradia dos sócios

Um planejamento patrimonial bem desenhado deve contemplar um conjunto de estratégias legais que tem como objetivo proteger e organizar o patrimônio de uma pessoa ou de uma família, buscando garantir a segurança e a estabilidade financeira ao longo do tempo, evitar conflitos entre herdeiros e, de preferência, atribuir algum de proteção ao patrimônio contras riscos decorrentes do exercício de atividade empresarial.

Dentre as estratégias que podem ser utilizadas no planejamento patrimonial estão a instituição de testamentos, a constituição de holdings familiares, a criação de fundos de investimento e a realização de doações com reserva de usufruto vitalício aos doadores.
A questão, todavia, será sempre definir e aplicar as melhores ferramentas para cada caso, evitando-se, desse modo, soluções pré-fabricadas ou que não sejam compatíveis com o perfil e/ou riscos que sujeitam aquele determinado indivíduo ou família. Em sua, o planejamento patrimonial será sempre individualizado e personalizado.
O bem de família, por exemplo, pode desempenhar um papel fundamental no planejamento patrimonial, uma vez que sua proteção pode garantir a segurança e a estabilidade da moradia da família em momentos de dificuldades financeiras, protegendo-o de possíveis dívidas ou processos judiciais.
Embora a Lei nº 8.009/1990 determine que a impenhorabilidade recai sobre o imóvel de propriedade dos membros da família que nele residam, reputando como detentor da proteção as pessoas físicas, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a proteção legal também pode ser aplicada a imóvel pertencente a pessoa jurídica, desde sirva ele de residência do sócio.
Ao votar no Recurso Especial nº 1.935.563 – SP, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva afirmou que o imóvel no qual reside o sócio não pode, em regra, ser objeto de penhora pelo simples fato de pertencer à pessoa jurídica, reconhecendo, assim, que o imóvel em questão deveria ser considerado bem de família:
Todavia, a controvérsia em análise apresenta a peculiaridade de que o imóvel objeto da lide pertence à sociedade empresária Fernandes Cardoso Participações e Administração Ltda (caucionante), o qual é utilizado para a moradia de Márcio Fernandes Cardoso e de sua família. Além disso, o bem foi ofertado em garantia em contrato de locação firmado por Eliane Fernandes dos Anjos Confecções EPP, empresa em que a esposa do ora agravado é sócia-administradora.
É o que se depreende da decisão do magistrado de piso:
"(...)
“Tal como se observa da matrícula de fls. 120/123, o referido imóvel foi transmitido a coexecutada Fernandes & Cardoso Participações e Administração Ltda. para integralização do capital social e, posteriormente a proprietária mencionada, deu o imóvel em caução como garantia ao cumprimento do contrato de locação celebrado entre CLY Administradora e Incorporadora Ltda e Eliane Fernandes dos Anjos Confecções Epp, ora coexecutada, tal como se observa nas averbações 04 e 05 da respectiva matrícula, fls. 121/122" (fl. 55-56 e-STJ).”
A finalidade da Lei no 8.009/1990 é proteger a residência do casal ou da entidade familiar por dívidas contraídas pelos "cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam" (art. 1o, caput). Constitui, portanto, em corolário da dignidade da pessoa humana e tem o condão de proteger o direito fundamental à moradia (arts. 1o, III, e 6o da Constituição Federal).
Assim, o imóvel no qual reside o sócio não pode, em regra, ser objeto de penhora pelo simples fato de pertencer à pessoa jurídica, ainda mais quando se trata de sociedades empresárias de pequeno porte. Em tais situações, mesmo que no plano legal o patrimônio de um e outro sejam distintos - sócio e sociedade -, é comum que tais bens, no plano fático, sejam utilizados indistintamente pelos dois.
Interessante constatar que no caso julgado pelo STJ, a transferência do imóvel se deu justamente para que a pessoa física integralizasse, por conferência de bens, o capital social de empresa de administração de bens próprios – impropriamente denominada holding patrimonial – e que é importante instrumento de administração e gestão do patrimônio pessoal, seja por sua feição organizacional, seja pelos benefícios tributários e sucessórios que oferece.
Em síntese, mesmo o único imóvel que sirva de residência ao indivíduo ou sua família, não estará impedido de ser integrado ao planejamento patrimonial por via da holding patrimonial (empresa administradora de bens) pelo suposto risco de perder, por conta disso, a característica de bem de família que deverá servir como última fronteira de proteção ao devedor.

Eduardo Pires

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