A efetividade de qualquer programa de proteção patrimonial depende essencialmente de sua natureza preventiva.

A efetividade de qualquer programa de proteção patrimonial depende essencialmente de sua natureza preventiva.

Mesmo quando implementado em momento antecedente à existência de dívidas, transferências patrimoniais podem ser reputadas como instrumento de blindagem patrimonial com intenção de lesar credores.
As dívidas trabalhistas costumam ser um ponto de atenção fundamental em qualquer projeto de proteção patrimonial, especialmente em função da contundência e rapidez pela qual a execução delas costuma se apresentar.

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, por exemplo, foi instituído o programa “SOS Execução” (Provimento CR nº 01/2021), com objetivo de otimizar os atos relacionados à fase de execução, pretendendo auxiliar as varas do trabalho no desenvolvimento de boas práticas executivas e na capacitação gradual para a realização de investigações e pesquisas patrimoniais.
Sob os termos do referido programa, e através de um pedido de cooperação da 2ª Vara de Cotia/SP (processo nº 1000867-15.2021.5.02.0242), julgado pela 12ª Turma do TRT-2, houve a reunião de 168 processos contra devedores em comum, com valor devido superior a R$ 17 milhões, no qual foi criada uma comissão de credores, e realizadas várias pesquisas avançadas por meio de ferramentas eletrônicas, resultando no bloqueio de patrimônio com o objetivo de honrar dívidas trabalhistas.
A 12ª Turma do TRT-2, ao julgar 9 recursos das partes envolvidas nas execuções, manteve a penhora sobre um bem avaliado em cerca de R$ 4,5 milhões, adquirido pelo executado principal antes das reclamações trabalhistas, interpretando que o devedor, antevendo problemas financeiros, realizou a compra para caracterizar o imóvel como bem de família de forma fraudulenta.
Segundo a decisão de primeira instância, mantida pelo Tribunal:
“É fato notório que a blindagem patrimonial, ato ilícito de ocultação de patrimônio para se furtar ao cumprimento das obrigações, não ocorre simultaneamente ao surgimento das dívidas, pois há no ordenamento mecanismos aptos a desfazer tais fraudes, tratando-se de ato complexo, com ajuste simulatório antecedente ao surgimento das dívidas, dando roupagem de legalidade nos atos.
Não é por outra razão que o artigo 169 do CC prevê que a simulação não convalesce com o tempo, podendo ser declarada ex officio, a qualquer momento.
Nessa senda, o executado Márcio Latorre Christiansen, que comandava o grupo econômico, antevendo os problemas vindouros, passou a adquirir bens em nome de terceiros (interposição de pessoas), usando de início seus filhos, dentre os quais a embargante, que à época era menor e presumivelmente não tinha renda para aquisição de imóvel de elevado valor, instituindo usufruto vitalício, ou seja, atuando como verdadeiro dono do imóvel.”
O que chama a atenção na fundamentação da decisão, confirmada pelo Tribunal, é a caracterização da fraude pela antevisão dos problemas financeiros. Ou seja, embora, à época da doação do imóvel aos filhos, com reserva e usufruto, o devedor não fosse insolvente, reconheceu-se como fraudulento o negócio jurídico, ainda que, à época, não se pudesse cogitar, muito menos provar, o prejuízo de outrem.
Sob o argumento de que a intenção de fraudar futuras execuções ficaria evidente frente ao fato de que o imóvel foi colocado em nome da filha, que ainda era menor de idade ao tempo da aquisição, com instituição de usufruto em favor do pai executado, o juiz-relator Flávio Laet reconheceu que: “Resta evidente que o intuito ali foi apenas a ocultação e a blindagem patrimonial de futuras execuções”.
A decisão causa perplexidade na medida em que, valendo-se de presunção calcada apenas num padrão de moralidade pelo qual se impõe que o todo devedor pague o credor (o que é, de fato, moralmente aceitável e esperado); de outro lado, atropela e desconsidera a norma jurídica cuja função essencial é de servir como limite interpretativo.
Ora, o artigo 4º da Lei 8009/90, que prevê a impenhorabilidade do bem de família, dispõe que suas previsões não se aplicam à pessoa que sabe ser insolvente e adquire, de má-fé, imóvel mais valioso para transferir a residência familiar.
Se ao tempo da doação, portanto, o devedor não tinha dívidas, como superar o requisito da ciência prévia ao estado de insolvência?
A questão é importante e, certamente, haverá de ser debatida, com a devida profundidade, nos Tribunais Superiores, dada a força do precedente que será criado caso mantido o entendimento.

Por Eduardo Pires

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