A anulação de negócios jurídicos simulados com objetivo de ocultação patrimonial pode ser a chave para o recebimento do crédito no processo de execução.

A anulação de negócios jurídicos simulados com objetivo de ocultação patrimonial pode ser a chave para o recebimento do crédito no processo de execução.

 

O ponto crucial de qualquer processo de execução, pelo qual se exige o pagamento de uma dívida, é a existência – ou não – de bens em nome do devedor. Não havendo bens passíveis de serem alcançados pela execução, embora válido e exigível o crédito, de nada valerá aquela, sendo fundamental olhar para além daquilo que está à frente dos olhos.

Há uma distinção absolutamente fundamental entre as chamadas esferas de responsabilidade: na criminal, essa recai sobre o próprio corpo do indivíduo, na medida em que a imposição das penas pelo descumprimento das normas poderá implicar, dentre outras, na privação ou restrição da liberdade, na suspensão ou interdição de direitos, vedadas as penas de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento e que sejam cruéis.

Quanto às chamadas obrigações civis (que são todas as demais, assim como dívidas trabalhistas, tributárias ou civis propriamente ditas), a responsabilidade é restrita ao patrimônio do devedor, ou seja, são os bens dele, com algumas exceções, que responderão pelo inadimplemento, sendo penhorados e, após, adjudicados pelo credor; ou vendidos a terceiros para que o credor possa receber o crédito.

Ocorre que em muitos casos o devedor, antes de ter os bens atingidos pela execução, se vale de toda a sorte de medidas com objetivo de ocultar o patrimônio, simulando uma situação de insolvência a fim de que não sofra a perda daquele. Dentre essas medidas, é comum simular o divórcio, atribuindo ao cônjuge todo o patrimônio; ou mesmo transferir e manter bens em nome de terceiros, os famigerados laranjas.

Há ainda alguns expedientes mais complexos como transferir os bens a pessoas jurídicas constituídas no Brasil ou no exterior; ou mesmo simular demandas que atinjam o patrimônio antes dos reais devedores, servindo o processo, neste caso, como meio de limpar eventuais penhoras sobre os bens, mantendo-os em nome de terceiros para que possam, mais adiante, serem transferidos novamente numa operação legítima e insuspeita.

É evidente que o momento em que tais medidas de esvaziamento ou ocultação patrimonial são feitos é essencial para se estabelecer se serão elas reconhecidas ou não pelo Judiciário, e mais especialmente se terão seus efeitos validados. Um devedor que, já citado da execução, transfira quaisquer bens para terceiros, poderá ver tal transferência ineficaz, caso seja a mesma reconhecida como fraude à execução, a depender algumas circunstâncias que a lei impõe.

Sempre haverá também a possibilidade do devedor, que já não ostenta qualquer patrimônio quando a execução se inicia, responder por fraude contra credores, com objetivo de se obter a anulação de transferências patrimoniais anteriores que, também de maneira fraudulenta, tenham o levado à insolvência, que é a situação pela qual o patrimônio torna-se menor que as dívidas.

Todavia, para que se possa acionar as vias de reconhecimento de fraude, seja contra a execução (que é requerida dentro do próprio processo); seja contra credores (que se

desenrola por meio da chamada ação pauliana, em processo autônomo), o fato é que o devedor-executado deve, no mínimo, ter sido proprietário dos bens, ainda que os tenha transferido antes ou depois da constituição da dívida, ou mesmo da propositura da execução.

Mas e quando o devedor simplesmente não tem nada? Ou seja, embora continue mantendo padrão de vida incompatível com quem nada tenha ou receba – o que na maioria das vezes é aferível pela ostentação de bens ou hábitos caros nas redes sociais – nenhum bem de valor que possa ser atribuível a ele é encontrado?

Nesta situação, certamente há um ou mais negócios jurídicos que foram feitos – ou ainda estejam ativos – com o propósito de simular uma situação que, na verdade, é apenas ilusória e tem o objetivo de prejudicar os credores.

Em caso recente, conseguimos comprovar que o devedor, em nome de quem não se encontrava nenhum bem sequer, na verdade era o real proprietário de vários veículos que eram mantidos em nome da irmã, na pessoa de quem o devedor exercia a atividade de compra e venda de automóveis.

A irmã, por sua vez, além de sequer residir na mesma cidade onde os veículos se encontravam para exposição e oferecimento a interessados, trabalhava em outra atividade, assim como não conseguiu comprovar legitimamente a origem dos recursos, tampouco condições financeiras para adquirir os ditos automóveis.

O pedido de reconhecimento de nulidade de compra dos veículos em nome da terceira foi feito no âmbito do próprio processo de execução, cuja possibilidade vem sendo reconhecida na jurisprudência, e dependeu da demonstração convincente de que o expediente utilizado pelo devedor e a irmã era, de fato, simulado, e com objetivo de frustrar a responsabilização dos bens que, na verdade, pertenciam a ele.

Olhar, portanto, para além daquilo que está à frente dos olhos, poderá ser fundamental para que a execução não se resuma em decepcionante vitória de Pirro.

Por Eduardo Pires

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