Na semana passada, o Brasil e o mundo (o NYT também noticiou e, pela primeira vez em suas publicações, usou o termo “feminejo” ) ficaram comovidos e completamente estarrecidos com a partida abrupta e trágica de Marília Mendonça, tida como a maior e mais afamada artista musical do Brasil atualmente. Somente no final de semana após a sua morte, Marília emplacou 74 das 200 músicas mais tocadas no Brasil pelo Spotify .
Além de cantora e intérprete que revolucionou o gênero sertanejo, Marilia era autora e compositora de grandiosa obra musical. Segundo informações do Ecad – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, ela tem 324 músicas e 391 gravações suas e de parceiros cadastradas no banco de dados da instituição. A maior parte de seus rendimentos em direitos autorais pela execução pública de suas músicas, nos últimos 10 anos, foi proveniente dos segmentos de Rádio e Show, que corresponderam a mais 65% do que foi destinado a ela .
Também segundo informações da imprensa , especula-se que Marília deixou patrimônio de R$ 500 milhões que, conforme as regras do direito sucessório, serão integralmente destinados ao único filho da cantora, Leonardo, que completará 2 anos em dezembro, uma vez que, segundo consta, ela não era casada nem mantinha qualquer união estável quando de sua morte. Os direitos autorais também renderam ao herdeiro quantias astronômicas por longo tempo.
Desse modo, conforme a prescrição do artigo 1829, I do Código Civil, não há cônjuge (ou companheiro) que concorra com o filho à herança deixada. E, também por isso, não há qualquer previsão de que a mãe de Marília seja beneficiada com qualquer quinhão, embora, a mesma, juntamente com a filha e o neto, convivessem sob o mesmo teto.
Ainda, pela norma dos artigos 1689 e 1690 do Código Civil, a administração dos bens dos filhos menores caberá ao pais. E, na falta de um deles, exclusivamente ao outro caberá a representação dos filhos até que completem 16 anos (quando deverão ser por ele assistidos) ou emancipados.
É óbvio que o cenário que aqui se expõe é meramente exemplificativo, na medida em que não se espera que artista de tamanha grandeza e expressão, não tenha sido bem orientada e fosse adequadamente assistida quanto a questões de administração, gestão e planejamento patrimonial, inclusive com instituição de testamento ou outras ferramentas típicas desse tipo de trabalho.
A verdade, todavia, é que o gatilho para a formulação de um planejamento sucessório não é a proximidade da morte (até porque ninguém sabe ao certo a que distância se esta dela), tampouco a idade, mas sim a existência de um patrimônio economicamente relevante, e cuja organização antecedente será fundamental ao esteio e sobrevivência de quaisquer pessoas que dependam de seu instituidor.
No caso do falecimento de Marília Mendonça, inclusive, no qual o único herdeiro é uma criança ainda em tenra idade, e cuja administração dos bens por ele herdados, em princípio, caberia ao pai, não se pode desprezar a possibilidade ou eventualidade da própria avó ser reputada como administradora, fosse por consenso ou disputa de interesses.
Como alternativa à administração da herança por aquele que venha a ser também responsável pelo menor, interessante seria discutir as aproximações e distinções entre o fideicomisso brasileiro e o trust que se opera nos países de tradição saxônica.
O fideicomisso, disciplinado nos arts. 1.951 a 1.960 do Código Civil, constitui modalidade de substituição testamentária pela qual duas pessoas são sucessoras do fideicomitente (instituidor do testamento), em tempos diferentes: o fiduciário, que primeiro receberá a herança ou legado; e, depois, o fideicomissário, que deverá receber a referida herança ou legado após um determinado evento ou prazo.
No entanto, o instituto, de caráter familiar e personalíssimo, acaba dificultando a possiblidade de utilização dele como boa ferramenta de administração patrimonial dos bens deixados pelo falecido, principalmente quando o beneficiário da herança é menor de idade sujeito a ter a tutela ou poder familiar disputados, como se cogitou.
Embora ainda muito questionado por algumas interpretações judiciais, a utilização do fideicomisso no planejamento sucessório, desde que reputado como negócio fiduciário atípico, em tese, permitiria ao autor da herança indicar, por exemplo, um banco ou instituição profissional de administração de bens que pudesse resguardar o patrimônio a ser transmitido aos herdeiros, evitando-se a dilapidação prematura dele como consequência esperada de eventual litígio entre que disputasse a condição de administrador.
Nesse cenário, o fideicomisso brasileiro aproximar-se-iria do trust, pelo qual seria possível regular a transmissão de bens por ato de última vontade ou inter vivos, a uma pessoa natural ou jurídica, para que esta os resguarde em benefício de outra a quem seria entregue após determinado tempo ou atingida a maioridade ou qualquer outra condição estabelecida pelo autor da herança.
A verdade, afinal, é que independentemente das ferramentas que venham a ser utilizadas no estabelecimento do planejamento sucessório, o qual, por sua vez, deverá sempre estar intimamente ligado às condições peculiares do instituidor, herdeiros e demais pessoas que se queira proteger, o fato é que o destino não esta sob o controle de ninguém, muito menos de quem dele depende ou confia.
https://www.nytimes.com/2021/11/05/arts/music/marilia-mendonca-dead.html
https://f5.folha.uol.com.br/musica/2021/11/marilia-mendonca-poe-74-musicas-no-top-200-do-spotify-um-dia-apos-sua-morte.shtml
https://www3.ecad.org.br/em-pauta/Paginas/Homenagem-do-Ecad-%C3%A0-cantora-Mar%C3%ADlia-Mendon%C3%A7a.aspx
https://observatoriodemusica.uol.com.br/noticia/qual-era-o-valor-da-fortuna-de-marilia-mendonca
Por Eduardo Pires
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