Salvo nas hipóteses em que o casal define previamente as regras sobre o patrimônio comum, as relações conjugais normalmente não se iniciam com uma discussão clara e precisa sobre os a destinação e riscos do patrimônio será formado, e sua futura destinação.
Há algum tempo, escrevi sobre a importância da definição do regime de bens do casamento no contexto do planejamento patrimonial[1], uma vez que o estabelecimento de regras claras quanto aos bens que integrarão ou não a partilha em caso de divórcio, é fundamental para evitar consequências não esperadas. Afinal, planejar, antes de mais nada, tem por objetivo evitar efeitos não desejados e potencializar que tudo ocorra conforme esperado.
Naquele artigo, mencionei decisão proferida em execução fiscal que tramitou na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, proposta contra devedor casado pelo regime de comunhão parcial de bens e que, após a citação, não pagou a dívida, tampouco ofereceu bens para garanti-la.
A Procuradoria pediu para que se rastreasse, via Bacenjud, eventuais bens em nome da esposa, bloqueando-se 50% daqueles que fossem encontrados, o que foi deferido por unanimidade pela 3ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região.
O caso prático ilustra, de modo claro e induvidoso, a necessidade de se estabelecer o melhor controle e resguardo possíveis do patrimônio, independentemente da natureza dele e do modo como ele foi constituído.
Importante lembrar que o regime da comunhão parcial de bens é o regime de casamento a ser observado quando as partes silenciam quanto às regras patrimoniais do casamento, quando poderiam estabelecer, de modo claro e induvidoso, tais regras, especialmente sobre quais bens serão ou não atingidos pela partilha em eventual e futuro divórcio.
De outro lado, por força do artigo 1725 do Código Civil, as regras da comunhão parcial de bens também serão aplicadas às uniões estáveis caso os conviventes, da mesma forma, não contratem, por escrito, as cláusulas e condições a serem observadas quanto aos efeitos patrimoniais da relação.
Os bens sujeitos à partilha na comunhão parcial estão previstos no artigo 1658 e seguintes do Código Civil, que prevê que quando aplicável o regime, comunicam-se todos os bens que sobrevierem ao casal na constância da união, excetuando-se, porém, os bens que cada cônjuge possuía antes da união, assim como os adquiridos individualmente – por exemplo, mediante doação ou sucessão hereditária.
Já o artigo 1.660 estabelece que integram a comunhão os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges, e também os que forem adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior.
No entanto, e principalmente à revelia de planejamento patrimonial anterior, o conhecimento das regras aplicáveis ao regime de casamento, por si só, nem sempre basta para evitar conflitos sobre o que entra ou não na divisão, impondo um estado de insegurança e dúvida sobre o desfecho dela.
Nesse sentido, o conhecimento da jurisprudência dos Tribunais superiores é essencial para que bem se calibre as expectativas quanto ao êxito ou não na disputa sobre bens e/ou direitos sobre os quais existam dúvidas quanto ao alcance deles pela partilha em caso de divórcio.
Em julgamento de 2016, por exemplo, o STJ reconheceu que, na sociedade conjugal, os bens adquiridos durante o casamento são de propriedade exclusiva do cônjuge que os adquiriu, e assim seguirá enquanto perdurar o matrimônio. Contudo, após a dissolução do casamento, qualquer dos cônjuges tem o direito à meação, podendo requerer a partilha dos bens comuns sobre os quais tinha apenas uma expectativa de direito durante o desenrolar do matrimônio.
"O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 709.212/DF, debateu a natureza jurídica do FGTS, oportunidade em que afirmou se tratar de 'direito dos trabalhadores brasileiros (não só dos empregados, portanto), consubstanciado na criação de um pecúlio permanente, que pode ser sacado pelos seus titulares em diversas circunstâncias legalmente definidas (cf. art. 20 da Lei 8.036/1995)' (ARE 709212, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 13/11/2014, DJe-032 DIVULG 18-02-2015 PUBLIC 19-02-2015). (...). No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a Egrégia Terceira Turma enfrentou a questão, estabelecendo que o FGTS é 'direito social dos trabalhadores urbanos e rurais', constituindo, pois, fruto civil do trabalho (REsp 848.660/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 13/05/2011). (...). O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não. (...). Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal."
(STJ, REsp 1.399.199/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Rel. p/ Acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016).
A posição firmada no julgamento mencionado se encontra alinhada com a tese predominante no Tribunal sobre a inexistência de direito à meação dos valores depositados em conta vinculada ao FGTS anteriormente ao matrimônio. Contudo, os valores depositados em conta do FGTS na constância do casamento, sob o regime da comunhão parcial, integram o patrimônio comum do casal, ainda que não sejam sacados imediatamente após a separação.
Durante a vigência da relação conjugal, o ministro Luis Felipe Salomão entendeu que os proventos recebidos pelos cônjuges – independentemente da ocorrência de saque – "compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não".
No julgamento do recurso, o ministro lembrou que o titular do FGTS não tem a faculdade de utilizar livremente os valores depositados na conta ativa, estando o saque submetido às possibilidades previstas na Lei 8.036/1990 ou estabelecidas em situações excepcionais pelo Judiciário.
Lembrando que a própria Justiça já proclamou decisões pelas quais os bens em nome do outro cônjuge podem ser penhorados para garantir o pagamento das dívidas em nome do cônjuge devedor, torna-se fundamental o efetivo reconhecimento, por parte do casal, das situações que poderão ou não atingir o patrimônio comum, sob pena serem os mesmos surpreendidos por medidas de constrição inesperadas e que, não raro, acabam por se tornar o real motivo da falência do casamento.
Por Eduardo Pires
[1] “A definição do regime de casamento, e a correta compreensão dos efeitos da união estável, como pilares fundamentais das estratégias de proteção patrimonial”, disponível em: https://piresadvogados.com.br/todas-artigos/329-a-definicao-do-regime-de-casamento-e-a-correta-compreensao-dos-efeitos-da-uniao-estavel-como-pilares-fundamentais-das-estrategias-de-protecao-patrimonial.