Transferência patrimonial preventiva

Transferência patrimonial preventiva

 e anterior à existência de dívidas pode ser reputada como instrumento de blindagem patrimonial com intenção de lesar credores?
Segundo a assessoria do Tribunal, o objetivo do programa “SOS Execução”, instituído pelo Provimento CR nº 01/2021, em 19/03/2021, é otimizar os atos relacionados à fase de execução, racionalizar os procedimentos e reduzir os custos da atividade judiciária. A iniciativa pretende auxiliar as varas do trabalho no desenvolvimento de boas práticas executivas e na capacitação gradual para a realização de investigações e pesquisas patrimoniais.

O caso, julgado pela 12ª Turma do TRT-2, chegou ao “SOS Execução” por meio de um pedido de cooperação da 2ª Vara de Cotia/SP (processo nº 1000867-15.2021.5.02.0242), para a reunião de execuções em face de um devedor comum em mais de 30 ações.
O programa promoveu a reunião de 168 processos, com valor devido superior a R$ 17 milhões, criou comissão de credores e realizou várias pesquisas avançadas por meio de ferramentas eletrônicas, resultando no bloqueio de patrimônio com o objetivo de honrar dívidas trabalhistas.
A 12ª Turma do TRT-2, ao julgar 9 recursos das partes envolvidas nas execuções, manteve a penhora sobre um bem avaliado em cerca de R$ 4,5 milhões, adquirido pelo executado principal antes das reclamações trabalhistas, interpretando que o devedor, antevendo problemas financeiros, realizou a compra para caracterizar o imóvel como bem de família de forma fraudulenta.
Segundo a decisão de primeira instância, mantida pelo Tribunal:
“É fato notório que a blindagem patrimonial, ato ilícito de ocultação de patrimônio para se furtar ao cumprimento das obrigações, não ocorre simultaneamente ao surgimento das dívidas, pois há no ordenamento mecanismos aptos a desfazer tais fraudes, tratando-se de ato complexo, com ajuste simulatório antecedente ao surgimento das dívidas, dando roupagem de legalidade nos atos.
Não é por outra razão que o artigo 169 do CC prevê que a simulação não convalesce com o tempo, podendo ser declarada ex officio, a qualquer momento.
Nessa senda, o executado Márcio Latorre Christiansen, que comandava o grupo econômico, antevendo os problemas vindouros, passou a adquirir bens em nome de terceiros (interposição de pessoas), usando de início seus filhos, dentre os quais a embargante, que à época era menor e presumivelmente não tinha renda para aquisição de imóvel de elevado valor, instituindo usufruto vitalício, ou seja, atuando como verdadeiro dono do imóvel.”
O que chama a atenção na fundamentação da decisão, confirmada pelo Tribunal, é a caracterização da fraude pela antevisão dos problemas financeiros. Ou seja, embora, à época da doação do imóvel aos filhos, com reserva e usufruto, o devedor não fosse insolvente, reconheceu-se como fraudulento o negócio jurídico, ainda que, à época, não se pudesse cogitar, muito menos provar, o prejuízo de outrem.
Sob o argumento de que a intenção de fraudar futuras execuções ficaria evidente frente ao fato de que o imóvel foi colocado em nome da filha, que ainda era menor de idade ao tempo da aquisição, com instituição de usufruto em favor do pai executado, o juiz-relator Flávio Laet reconheceu que: “Resta evidente que o intuito ali foi apenas a ocultação e a blindagem patrimonial de futuras execuções”.
A decisão causa perplexidade na medida em que, valendo-se de presunção calcada apenas num padrão de moralidade pelo qual se impõe que o todo devedor pague o credor (o que é, de fato, moralmente aceitável e esperado); de outro lado, atropela e desconsidera a norma jurídica cuja função essencial é de servir como limite interpretativo.
Ora, o artigo 4º da Lei 8009/90, que prevê a impenhorabilidade do bem de família, dispõe que suas previsões não se aplicam à pessoa que sabe ser insolvente e adquire, de má-fé, imóvel mais valioso para transferir a residência familiar.
Se ao tempo da doação, portanto, o devedor não tinha dívidas, como superar o requisito da ciência prévia ao estado de insolvência?
A questão é importante e, certamente, haverá de ser debatida, com a devida profundidade, nos Tribunais Superiores, dada a força do precedente que será criado caso mantido o entendimento.

Por Eduardo Pires

 

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