A equivocidade e ineficácia das transferências patrimoniais entre familiares como tentativa de salvamento de bens do devedor sujeitos à execução.

A equivocidade e ineficácia das transferências patrimoniais entre familiares como tentativa de salvamento de bens do devedor sujeitos à execução.

A situação é clássica: endividado e na iminência de sofrer execução judicial, o devedor não pensa duas vezes em transferir bens para familiares, amigos e/ou empresas, do próprio devedor, na tentativa de evitar que o patrimônio seja atingido e perdido. Não raro, porém, a tentativa de esvaziamento patrimonial, além de ser facilmente reconhecida como fraudulenta, impõe ainda maiores estragos financeiros.

O princípio da responsabilidade patrimonial prescreve que o devedor responde por suas dívidas com o patrimônio atual e futuro, até que a dívida seja resolvida. Todo e qualquer patrimônio, ressalvado aquele que a própria lei reconhece como não sujeito à execução, conforme o artigo 832 do CPC, poderá ser alcançado pelo processo.

Dentre os bens impenhoráveis, destacam-se o bem de família, caracterizado na Lei 8.009/90, e também os bens declarados inalienáveis ou impenhoráveis por ato voluntário. Tais categorias de bens impenhoráveis são de absoluta importância no desenvolvimento de qualquer programa de proteção patrimonial, sobretudo se concatenadas preventivamente, ou seja, antes de que o devedor esteja sujeito a ver qualquer transferência de patrimônio ser questionada por credores.

A transferência do bem de família quando já instaurada a execução, por exemplo, tende a ser um movimento completamente equivocado, na medida em que, caso seja reputada fraudulenta e, portanto, ineficaz no âmbito do processo de execução, sujeitando o bem a ser perdido nele, não poderá o devedor se valer do argumento da impenhorabilidade.

De outro lado, a transferência de bens para terceiros, especialmente familiares, sem que haja prova de que os mesmos não estão aliados ao devedor para simplesmente ocultar o patrimônio, é relativamente fácil de ser descoberta e declarada como fraudulenta. Nesse caso, além de sujeitar o patrimônio transferido à execução, os terceiros que se apresentam como proprietários, ainda poderão ser condenados a pagar honorários sucumbenciais e indenização por litigância de má-fé.

Recentemente, obtivemos o reconhecimento de que a transferência de um imóvel do pai para os filhos, sem qualquer comprovação de pagamento por ela, foi feita apenas como forma de ocultação patrimonial na tentativa de frustrar a execução. Na decisão , além de declarar a venda ineficaz, condenou os filhos a pagarem 15% sobre o valor do imóvel a título de honorários advocatícios:

“Nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, é cabível o julgamento antecipado da lide, haja vista a desnecessidade de produção de provas em audiência, bastando, para a solução do conflito de interesses, os documentos já carreados aos autos.

No mérito, a respeito do tema, dispõe a Súmula nº 375, do Superior Tribunal de Justiça, que "o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”.

No caso dos autos, observa-se que a escritura de venda e compra do imóvel e o registro do domínio foram feitos antes da determinação de penhora, mas posteriormente à ciência dos executados da existência da execução (26.03.2015), conforme se verifica às fls. 22/6 deste incidente, oportunidade em que os executados apresentaram exceção de pré-executividade nos autos da execução.

Com efeito, conforme se depreende da matrícula imobiliária (fls. 122/130), a compra e venda do imóvel foi registrada em 30.06.2015, nos exatos termos do registro nº 14, não existindo nenhum gravame de hipoteca ou alienação fiduciária vigente naquela data, já que todos foram cancelados através das averbações nº 9 e 13 da referida matrícula.

Ademais, a alienação do imóvel no curso da execução foi feita para os filhos do executado. É incontroverso nos autos que os embargantes possuem estreita relação com seu pai, ora executado, diante dos negócios jurídicos que envolvem o imóvel em discussão, conforme se depreende da assunção, na qualidade de interveniente-garantidor, de dívida dos filhos, negócio jurídico que foi registrado na matrícula imobiliária.

Assim, há boa prova documental nos autos demonstrando a má-fé dos adquirentes do bem imóvel, com a finalidade de ocultar o patrimônio de seu genitor, sendo, pois, desnecessário o registro da penhora na matrícula do imóvel.

Por outro lado, os embargantes sequer juntam comprovantes de pagamentos que poderiam demonstrar a regularidade do negócio jurídico, sendo que o compromisso de compra e venda não foi levado a registro na data de sua confecção (fls. 96/101), circunstâncias que reforçam a conclusão no sentido da fraude à execução.

Ainda, os elementos constantes das execuções movidas contra o genitor dos embargantes revelam que este não possui outros bens passíveis de penhora, de modo que é razoável concluir que o executado, na verdade, simulou negócio jurídico com os embargantes, a fim de ocultar seu patrimônio.

...

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado nos presentes embargos de terceiro.

Em razão da sucumbência, condeno os embargantes ao pagamento das custas e despesas processuais de comprovado desembolso nos autos e de honorários advocatícios fixados em 15% do valor atualizado da causa, na forma do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.”

Não havendo oportunidade de planejamento e organização patrimonial antes da efetivação dos riscos que são parte da razão de ser do referido planejamento, é essencial que as estratégias jurídicas adotadas já no curso do litígio não piorem ainda mais a situação do devedor, especialmente quando essas envolvem terceiros que poderão também serem atingidos por consequência delas.

Por: Eduardo Pires

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