Fundado num senso moral próprio, e sob o argumento de proteger algumas pessoas de investidas patrimoniais que pudessem elas sofrer em decorrência de relacionamentos conjugais abusivos e/ou interessados, a lei civil, desde muito, estabelece restrições ao regime de bens para o casamento de: (i) pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; (ii) pessoa maior de setenta anos; (iii) de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
No caso específico da pessoa mais idosa, que teve mais tempo para construir e conservar o patrimônio, embora não seja a idade um fator de perda ou diminuição da capacidade civil, muito menos de discernimento, o fato é que a lei, neste caso, impõe que o casamento seja celebrado sob o regime da separação de bens. Ou seja, separação obrigatória.
Por outro lado, ainda que os bens que cada um dos cônjuges detenha antes do casamento não integre a comunhão e, portanto, não se sujeitem à partilha em caso de divórcio; aqueles que forem adquiridos na constância do casamento, e a título oneroso, presumir-se-ão como aquestos com esforço comum e, portanto, integrarão a comunhão.
É o que estabelece a Súmula 377 do STF: “No regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”
A incidência dessa orientação do STF que, para grande parte da doutrina e jurisprudência, continua aplicável mesmo após a edição do (não tão) Novo Código Civil, acaba por criar uma situação inusitada, ou seja, um casamento com duplo regime de bens: separação com relação aos bens anteriores a ele; e comunhão quanto aos bens adquiridos (onerosamente) na constância dele.
Sendo assim, dissolvendo-se o casamento celebrado sob o regime da comunhão parcial, além de serem partilhados os bens adquiridos na constância dele, incidirá também, no caso de falecimento de um dos cônjuges, a regra do artigo 1829, I do Código Civil, pela qual o cônjuge sobrevivente concorrerá com os herdeiros pela herança.
O que se vê, portanto, é que a obrigatoriedade do regime da separação de bens para pessoas maiores de 70 anos, apesar de estabelecer boa proteção para os bens anteriores ao casamento, uma vez que efetivamente o afastam da partilha em caso de divórcio, bem como evitam a concorrência do(a) viúvo(a) com os demais herdeiros (que, em geral, serão filhos de casamento/união estável anterior); de outro lado, não resolve a questão da comunicabilidade dos bens adquiridos onerosamente após o casamento por força da presunção de esforço comum decorrente da mencionada Súmula 377 do STF.
Qual seria então a solução para proteger tal fração de patrimônio e evitar indesejável partilha dele, especialmente quando se tenha a convicção de que não vieram eles de esforço comum?
A Corregedoria-Geral de Justiça de Pernambuco, já em 2016, editou o Provimento 8/2016 que, de modo geral, não só reconheceu a possibilidade, assim como determinou aos ofícios de registro civil que, ao iniciar o processo de habilitação para o casamento daqueles indivíduos sujeitos ao regime da separação obrigatória, seja a eles informada a possibilidade de celebração de pacto antenupcial para afastar a incidência da Súmula 377 do STF quanto aos bens adquiridos após o casamento:
Art. 664-A. No regime de separação legal ou obrigatória de bens, na hipótese do artigo 1.641, inciso II, do Código Civil, deverá o oficial do registro civil cientificar os nubentes da possibilidade de afastamento da incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, por meio de pacto antenupcial.
Parágrafo Único. O oficial do registro esclarecerá sobre os exatos limites dos efeitos do regime de separação obrigatória de bens, onde comunicam-se os bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.
Em São Paulo, a Corregedoria-Geral de Justiça, no âmbito do Recurso Administrativo nº 1065469-74.2017.8.26.0100, em parecer publicado em 23/01/2018, seguiu linha idêntica:
“REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS – CASAMENTO – PACTO ANTENUPCIAL – SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA – ESTIPULAÇÃO DE AFASTAMENTO DA SÚMULA 377 DO STF – POSSIBILIDADE. Nas hipóteses em que se impõe o regime de separação obrigatória de bens (art. 1641 do CC), é dado aos nubentes, por pacto antenupcial, prever a incomunicabilidade absoluta dos aquestos, afastando a incidência da súmula 377 do Excelso Pretório, desde que mantidas todas as demais regras do regime de separação obrigatória.”
Na realidade, o casal não se casa por separação convencional de bens após fazer o pacto. Casa-se por separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens, e, por via reflexa, resolve a questão sucessória decorrente do artigo 1.829, I do Código Civil.
Na medida em que, nessa hipótese, o regime não é de separação convencional, e sim da separação obrigatória com pacto antenupcial, em matéria sucessória não haverá concorrência do sobrevivente com os herdeiros, de modo que todos os bens do(a) falecido(a) pertencerão aos descendentes.
O entendimento também já se encontra consagrado pelo Enunciado 634 da VIII JORNADA DE DIREITO CIVIL do Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal:
ENUNCIADO 634 – Art. 1.641: É lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF.
Sob tal entendimento, mesmo aqueles que estejam casados pelo regime da separação obrigatória, sem pacto antenupcial, poderão valerem-se do procedimento de mudança do regime de bens para que o juiz autorize que, a partir de então, o regime seja de separação obrigatória, mas sem comunicação dos aquestos futuros da comunhão. E, por medida de analogia, aos unidos estavelmente sempre será possível celebrar o acordo quanto às relações patrimoniais.
Enfim, em qualquer momento da vida – e que seja ela longa e saudável a todos – só faltará proteção ao patrimônio caso não haja disposição de organização para tanto.
Por Eduardo Pires
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