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As fintechs como ferramenta lícita de gestão e proteção de ativos do devedor-executado.

As fintechs são empresas que introduzem inovações nos mercados financeiros por meio do uso intenso de tecnologia, com potencial para criar novos modelos de negócios. Atuam por meio de plataformas online e oferecem serviços digitais de intermediação entre credores e devedores por meio de negociações realizadas em meio eletrônico

De acordo com os dados divulgados pelo Distrito Fintech Brasil, em seu Relatório 2020 (https://conteudo.distrito.me/dataminer-fintech), atualmente, no Brasil, há 742 Fintechs, que receberam investimentos que chegaram a US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 11 bilhões) no ano passado, com avanço de mais de 73% em relação a 2019.

No Brasil, as fintechs estão regulamentadas pelas Resoluções 4.656 e 4.657 do Conselho Monetário Nacional (CMN) e podem ser autorizadas a funcionar sob dois formatos: a Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), cujas operações constarão do Sistema de Informações de Créditos (SCR).

De um modo geral, a SEP realiza operações de crédito entre pessoas, conhecidas no mercado como peer-to-peer lending, realizando uma clássica operação de intermediação financeira, pelos quais podem cobrar tarifas e fazer captação de recursos do público, desde que eles estejam inteira e exclusivamente vinculados à operação de empréstimo.

Por outro lado, o modelo de negócio da SCD caracteriza-se pela realização de operações de crédito, por meio de plataforma eletrônica, com recursos próprios, sendo que seu principais clientes deverão ser selecionados com base em critérios consistentes, verificáveis e transparentes, contemplando aspectos relevantes para avaliação do risco de crédito, como situação econômico-financeira, grau de endividamento, capacidade de geração de resultados ou de fluxos de caixa, pontualidade e atrasos nos pagamentos, setor de atividade econômica e limite de crédito.

O ponto relevante para o presente artigo, contudo, é a constatação de que ambos os formatos de fintechs não se encontram abrangidos pelo sistema de localização de ativos do SisbaJud (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário) que, a partir de setembro de 2020 substituiu o BacenJud como ferramenta de efetiva localização e bloqueio de ativos de devedores no âmbito de execuções judiciais em tramitação em qualquer instância ou vara especializada do sistema de justiça brasileiro.

Com efeito, conforme o tutorial do referido SisbaJud (https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/09/SISTEMA-DE-BUSCA-DE-ATIVOS.pdf), os segmentos alcançados pela ferramenta, são os seguintes:
• Banco do Brasil (Banco Múltiplo)
• Caixa Econômica Federal
• Banco Comercial
• Banco Comercial Cooperativo
• Banco Múltiplo
• Banco Múltiplo Cooperativo
• Banco de Desenvolvimento
• Banco de Investimento
• Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (Financeiras)
• Sociedade Corretora de Títulos e Valores Mobiliários (CTVM)
• Sociedade Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM)
Instituição de Pagamento autorizada pelo Banco Central do Brasil (BC)

Ou seja, quaisquer depósitos ou montantes financeiros do devedor-executado que eventualmente se encontrem vinculados às fintechs, ao menos na atual versão do SisbaJud, não serão alcançados por ele, tornando-se, ainda que transitoriamente, ferramenta para que o referido devedor-executado possa gerir e proteger, de modo lícito, investidas do credor-exequente sobre suas disponibilidades financeiras via SisbaJud.

Importante destacar que não há aqui qualquer menção ou incentivo a que o devedor não seja compelido, pelos meios legais, à satisfação do débito perante o credor, especialmente por ser a segurança quanto à garantia do cumprimento das relações contratuais pelo sistema de justiça um dos importantes pilares de atribuição de credibilidade a qualquer economia civilizada.

De outro lado, não se pode negar, é da essência de qualquer aconselhamento jurídico, inclusive àqueles que se vejam processados e na condição de réus, acusados ou executados, apontar possíveis caminhos e alternativas de defesa que não infrinjam a lei e possam ser utilizados, ainda que provisoriamente, como mecanismo de contenção de administração da crise de solvência atravessada pelo devedor, visando até mesmo sua reorganização e melhor planejamento para a liquidação do endividamento.

Vale reparar, inclusive, que já decisões judiciais reconhecendo a necessidade de oficiar diretamente as fintechs a bem de que elas respondam, diretamente a cada juízo onde se processa a execução, sobre a existência ou não de valores nela depositados em nome do devedor-executado e que possam ser penhorados, reconhecendo que tais disponibilidades não estão ao alcance do SisbaJud:
EMENTA. EXECUÇÃO. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. FINTECHS. POSSIBILIDADE. As empresas denominadas fintechs, são empresas que utilizam o meio eletrônico para ofertar produtos ou serviços financeiros ao consumidor final, cada vez mais populares.

O usuário pode gerenciar sua carteira virtual através destes serviços, cadastrando cartões de crédito, fazendo transferências de dinheiro e pagando contas, dentre outros serviços e não integram a base de pesquisa do BACENJUD, portanto valores existentes de propriedade dos executados não são alcançados por ordens de bloqueio emitidos pelo sistema. Agravo de Petição do exequente a que se dá provimento.
(TRT-2 02073002519975020302 SP, Relator: MARIA DE FATIMA DA SILVA, 17ª Turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 05/11/2020)

"EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS VISANDO A PENHORA TRABALHISTA JUNTO A ATIVOS EXISTENTES NAS"FINTECHS". VALIDADE. Embora as "fintechs" estejam enquadradas como "Sociedades de Crédito Direto" (SCD) ou "Sociedades de Empréstimo Entre Pessoas (SEP) e estarem regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), estas instituições estão fora do alcance do convênio BACENJUD, uma vez que não estão especificadas no inciso IV do artigo 3º do Regulamento do"BacenJud 2.0".

Contudo, ainda que não classificadas como "bancos", no sentido estrito, estão, sim, sujeitas à ordem judicial que busca o bloqueio de valores, em apreço ao que resta disposto nos artigos 139, inciso IV, 772, inciso III e 773, caput, todos do NCPC. Portanto, se mostra possível a expedição de ofícios a tais instituições visando eventual bloqueio de numerários em nome das empresas demandadas e/ou dos sócios devedores."
(TRT-2 00324008720025020302 SP, Relator: SILVIA TEREZINHA DE ALMEIDA PRADO ANDREONI, 8ª Turma - Cadeira 3, Data de Publicação: 10/12/2020)

Contudo, importante esclarecer que no próprio âmbito do Tribunal do Trabalho de São Paulo (TRT-2), há outras tantas decisões que, de modo contrário, afirmam a desnecessidade da expedição de ofícios às fintechs por entender que estariam elas, sim, abrangidas pelo espectro de alcande do SisbaJud: EXECUÇÃO. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS. FINTECHS. A solicitação de informações acerca de investimentos e de ativos financeiros junto às sociedades de crédito denominadas fintechs se afigura desnecessária, pois a tentativa de penhora por meio do sistema BACENJUD já compreende tal providência de excussão patrimonial, porquanto tais sociedades são integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Agravo de petição do exequente a que se nega provimento. (TRT-2 01200001520035020302 SP, Relator: BENEDITO VALENTINI, 12ª Turma - Cadeira 4, Data de Publicação: 13/10/2020)

Conclui-se, portanto, que a manutenção de quaisquer valores ou disponibilidades financeiras, pelo devedor-executado perante as fintechs, poderá atribuir àquele opacidade quanto à existência desses recursos frente a uma tentativa de localização e/ou bloqueio dos mesmos via SisbaJud, o que poderá bem servir a ele como ferramenta lícita e efetiva de proteção desses ativos financeiros durante a execução, a menos que o credor-exequente requeira – e obtenha – ordem judicial para que tais valores sejam vasculhados junto a cada uma das fintechs, o que, convenhamos, afigura-se tarefa árdua e trabalhosa que os credores nem sempre estão dispostos a encarar.

Por Eduardo Pires

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