Por: Eduardo Pires
Ainda não se sabe, ao certo, quais serão os efeitos da crise do coronavírus após terminar a pandemia e estiverem controladas as taxas de contágio e, especialmente, reestabelecida a normalidade do sistema de saúde que deverá ser absolutamente espoliado enquanto durar este estado de coisas.
Contudo, o que há de certo é que a crise econômica e social virá, até porque parece não ser opção de nenhuma das nações mundiais passar ou não por ela.
Com relação aos impactos que a crise econômica já vem causando no cotidiano de pessoas e empresas, estão, dentre outros, o cumprimento das obrigações corriqueiras, para as quais muitos perderam a capacidade financeira de fazê-lo, dadas as restrições de funcionamento do comércio e serviços.
Dia após dia, fica sufocado o fluxo de caixa das empresas que não conseguem pagar obrigações básicas. De modo geral, a maioria das pequenas e médias empresas brasileiras, responsáveis por cerca de 90% de todos os empregos formais existentes, empregam o total de suas receitas no pagamento de fornecedores e folha salarial.
Dentre os itens de custo mais importantes às pequenas e médias empresas, além dos tributos e salários, esta o pagamento do aluguel do imóvel destinado ao estabelecimento delas, principalmente em se tratando de comércio e serviços onde o chamado “ponto comercial” já esta montado e é fundamental para o desenvolvimentos do negócios.
Mas, sem receita, como pagar o aluguel?
Em princípio, o locador não é responsável pela perda da capacidade financeira do inquilino, muito menos esta obrigado a reduzir o valor do aluguel, de modo que, caso o pagamento dele não seja feito ao tempo e modo previstos no contrato, poderá o locador se movimentar para pedir o despejo por falta de pagamento.
Nessa situação, restará ao inquilino argumentar que o inadimplemento decorre da perda de faturamento abrupta do negócio, causada, em última análise, pela determinação de suspensão de atividades por conta da pandemia, fato esse absolutamente imprevisível e que poderá justificar a revisão do valor do aluguel, conforme o art. 317 do Código Civil; ou até mesmo sua “rescisão” (na verdade resolução), sem pagamento de multa, por força do art. 478 da mesma lei.
E a decisão sobre eventual pedido de revisão do valor do aluguel no período da crise (até mesmo isenção do pagamento), ou resolução do contrato pela ocorrência do fato imprevisível às partes (no caso a pandemia do coronavírus), será necessariamente dada no âmbito do processo judicial iniciado pelo locador (despejo) ou mesmo pelo inquilino (ação revisional ou resolutória do contrato), o que poderá levar meses ou anos, dada a previsível avalanche de ações que o Judiciário deverá receber nos próximos meses.
Além da variável de tempo, há ainda a da própria pandemia. Numa recente decisão, uma juíza de Mozarlândia/GO , suspendeu liminar de despejo em razão da pandemia do novo coronavírus, ao considerar emergencial a situação que acomete o país: “Dada à situação atual, de emergencial cautela da saúde pública, na qual a recomendação preventiva é o recolhimento domiciliar, suspendo, provisoriamente, os efeitos do provimento liminar”.
Ou seja, mesmo que o locador venha a obter, por direito, a restituição do imóvel pela falta de pagamento, é possível que a execução do despejo seja prorrogada até a efetiva normalização da situação emergencial criada pela pandemia.
Para evitar que a solução da questão seja relegada a um juiz, ou submetida uma variável fora de controle, no caso o tempo, a alternativa mais racional é mesmo a tentativa de composição das partes, podendo – e devendo – qualquer delas tomar a iniciativa, uma vez que se trata de interesse comum.
Ao locador, de modo geral, interessará manter a locação, especialmente em se tratando de um inquilino confiável, até mesmo pela inevitável dificuldade que haverá de se obter um novo contrato após o fim da crise, quando pessoas e empresas deverão estar financeiramente abaladas e em fase de recuperação, sem recursos para investimentos. Vide, a esse respeito, que, segundo informação divulgada pela Associação de Lojistas de Shopping Centers (Alshop), não haverá cobrança de aluguel durante o tempo em que os shoppings estiverem fechados por conta da pandemia de coronavírus.
Por outro lado, o acordo que seja feito no período da crise – e que deverá ser cuidadosamente formalizado – não poderá ser objeto de revisão, nem mesmo justificar pedido de resolução do contrato, uma vez que não haverá fato imprevisível a ser considerado, o que atribuirá maior segurança jurídica às partes.
Enfim, mesmo em tempos de crise, e frente aos evidentes benefícios exposto, continua valendo a máxima: “mais vale um mau acordo a uma boa briga”.