Julgamento é controverso e ainda não tem consenso, mas reabre uma discussão importantíssima no meio jurídico
Na próxima quarta-feira (18/10), o Supremo Tribunal Federal (STF) dará continuidade ao julgamento do Tema 1.236, que discute a constitucionalidade do regime da separação obrigatória de bens no casamento de pessoas maiores de 70 anos, bem como a aplicação dessa regra para as uniões estáveis, como previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil. O julgamento ganhou relevância ao trazer à tona a discussão sobre qual seria o limite da proteção jurídica aos idosos, muitas vezes vítimas de casamentos motivados por interesses econômicos, e até que ponto a regra impactaria na autonomia e dignidade deles.
O julgamento é tão importante que a sessão deve ouvir não só as partes envolvidas no caso, mas também o Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM), o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), a Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS) e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). As entidades vão participar como amicus curiae, ou seja, com o objetivo de fornecer mais subsídios ao STF no julgamento e na definição dos precedentes.
O caso em si envolve um inventário em disputa no qual a ex-companheira do falecido questiona seu direito aos bens do espólio. A controvérsia gira em torno do fato de a união estável ter começado quando o falecido já tinha mais de 70 anos.
O juiz de primeira instância entendeu que seria inconstitucional aplicar a regra da separação obrigatória de bens – apesar da idade do falecido no início da união estável –, pois a medida feriria os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, que estão expressamente previstos na Constituição. Na prática, a sentença excluiu a determinação do Código Civil e conferiu aos companheiros a possibilidade de uma união iniciada após os 70 anos sem a aplicação do regime da separação obrigatória de bens.
Porém, em segunda instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a decisão e concluiu que o dispositivo é constitucional, pois há a intenção de proteger a pessoa idosa e, também, os seus herdeiros necessários (por exemplo, filhos de casamento anterior) de um casamento realizado por interesses econômicos ou patrimoniais de alguma uma das partes.
Fato é que a legislação atual traz uma diferença muito grande entre o regime da separação legal ou obrigatória e o regime da separação convencional ou total. Na primeira, o cônjuge não poderá herdar o patrimônio deixado pelo falecido. Esse regime é mandatório em três hipóteses: se o cônjuge tiver mais de 70 anos; se o casamento violar a causa suspensiva prevista no art. 1.523 do Código Civil; ou para os que dependem de autorização judicial para o casamento.
Em contrapartida, a separação convencional é estipulada de forma voluntária pelas partes. Nesta hipótese, o cônjuge sobrevivente é herdeiro do falecido e concorre legitimamente com os descendentes em caso de divisão de bens.
Se o casal não escolher um regime de bens específico, será aplicado automaticamente o “regime legal”, que consiste na comunhão parcial de bens. Nesse regime, os bens adquiridos durante o casamento são comuns, mas os bens que cada cônjuge possuía antes do casamento permanecem individuais e não são compartilhados.
No caso do STF, a reclamante afirma que as pessoas maiores de 70 anos são plenamente capazes de exercer todos os atos da vida civil, como escolher livremente o regime de bens no casamento e na união estável. Além disso, sustenta que não é possível interpretar o art. 1.641, II, do Código Civil para uniões estáveis, visto que o artigo não cita o termo diretamente.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República (PGR), a imposição legal do regime da separação obrigatória para maiores de 70 anos seria constitucional e deveria, também, ser aplicada à união estável. A interpretação é que o regime de separação obrigatória não viola a autonomia da pessoa idosa, visto que pode dispor livremente de seus bens em vida.
O IBDFAM, por sua vez, também questiona até que ponto a proteção legal aos idosos pode ir, destacando a necessidade de autonomia para que tenham uma vida plena, especialmente no que diz respeito aos bens. Para o instituto, isso garantiria a liberdade e dignidade dos idosos, sem preconceitos ou suposições de incapacidade.
No julgamento do caso em referência, o STF ainda poderá modular os efeitos da decisão a ser proferida sobre o tema. Isso significa que o resultado do julgamento poderá ser aplicado para todos os casos em que haja a mesma discussão e que ainda não tenham transitado em julgado (na prática, casos e que a temática ainda esteja pendente de julgamento final) – ou seja, a conclusão não teria efeitos retroativos. Caso o dispositivo for considerado inconstitucional, o principal impacto seria a alteração do regime da separação obrigatória para o regime legal (o da comunhão parcial) nas uniões estáveis iniciadas após os 70 anos. Como consequência, o companheiro sobrevivente de uma união estável iniciada após os 70 anos poderia ocupar a posição de herdeiro, concorrendo com outros herdeiros no recebimento da herança.
O julgamento é controverso e ainda não tem consenso, mas reabre uma discussão importantíssima no meio jurídico. Fica evidente a necessidade de atenção aos operadores do direito, que devem oferecer orientações claras e seguras para os seus clientes em casos e situações que possam ser impactados pela decisão do STF.
Fonte: JOTA