PL das Fake News na regulação da internet

Apesar do apelido, o que será votado no Congresso vai além da punição de quem promove ou financia desinformação.Será votada nesta semana a tramitação em urgência do PL 2630/2020, o que poderá levar à votação da própria proposta nos próximos dias. O projeto de lei (PL das Fake News) representa um passo importante na desafiadora e complexa construção da regulação da internet no Brasil. Iniciativas semelhantes vêm, com certas diferenças, sendo adotadas em diversos países (veja exemplos aqui, aqui e aqui) em vista do fato, hoje inegável, de que as plataformas digitais – sobretudo os grandes provedores de internet, as big techs – não apenas detêm e exercem significativo poder econômico, como ainda se mostraram capazes de influenciar processos políticos e eleitorais. Como se sabe, no Brasil, a discussão do PL se tornou mais premente depois dos ataques golpistas no último dia 8 de janeiro.

Ao contrário do que o apelido pode fazer crer (PL das Fake News), o que será votado no Congresso Nacional vai além da disciplina e da punição de quem promover ou financiar a promoção de conteúdos inverídicos na rede. O projeto não se limita à moderação de conteúdo, uma vez que, entre outras medidas importantes, estabelece diversas outras obrigações para plataformas de internet – empresas com número de usuários registrados no país superior a 10 milhões, há pelo menos 12 meses, incluindo aqueles cujas atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior –, bem como define juridicamente atores digitais específicos, incluindo redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea.

A proposta enfatiza a defesa do Estado democrático de Direito e protege valores e direitos fundamentais, sendo guiada por uma série de princípios, como a liberdade de expressão e de imprensa, o acesso à informação, o fomento da diversidade, o desenvolvimento livre da personalidade, a garantia da confiabilidade e integridade da internet, a transparência, a vedação da discriminação, a proteção de consumidores, da saúde pública e da livre iniciativa, além de procurar fortalecer o processo democrático de modo geral.

O PL cria obrigações de transparência e prestação de contas, incluindo a respeito dos termos de uso e da veiculação de anúncios e conteúdos pagos, além de definir procedimentos, como protocolos de segurança, mecanismos de notificação e auditorias externas para lidar com problemas identificados. Ademais, dá ao CGI.br a atribuição para elaborar diretrizes para códigos de conduta que orientem a atuação dos provedores de plataforma, garantindo os princípios e objetivos estabelecidos no texto. Prevê, também, a criação de uma autoridade reguladora independente.

A proposta trata ainda da relação entre plataformas de internet e os produtores de conteúdos jornalísticos, assim como fornece parâmetros para a atuação do setor público como usuário da internet (as chamadas contas institucionais), além de procurar fomentar a educação para o uso seguro da internet, com foco na formação de crianças e adolescentes.

Além disso, define regras de investigação, cria um novo crime, que penaliza a disseminação em massa de mensagens que contenham fatos inverídicos que possam comprometer a integridade do processo eleitoral ou causar danos à integridade física (com previsão de pena de reclusão de um a três anos) e estabelece competências administrativas e judiciais para sua própria aplicação, incluindo a previsão de sanções escalonadas que vão de advertências à proibição das atividades passando por multas. Trata-se de uma proposta de escopo abrangente e transversal, que procura dar conta da complexidade dos ecossistemas digitais e a multiplicidade de conteúdos que neles circulam.

De outro lado, há aspectos importantes da regulação digital que merecem atenção em abordagem mais estrutural e holística de plataformas digitais. Não se pode dizer, por exemplo, que a futura lei das fake news será o equivalente brasileiro ao DMA europeu. O PL não aborda, por exemplo, obrigações específicas e assimétricas com base no poder de mercado das plataformas, como é o caso das regras europeias aplicáveis aos chamados gatekeepers. Limita-se a adotar um critério quantitativo para definição das plataformas que estariam sob o escrutínio da futura lei.

Seria importante que a legislação proposta também enfatizasse explicitamente a necessidade de assegurar a usuários individuais e empresariais tratamento isonômico e não discriminatório – aspectos importantes para mitigar preocupações regulatórias e concorrenciais. Dada a decisão política de votar o PL das Fake News com urgência nesta semana, o desafio agora é garantir a efetividade e legitimidade da futura lei por meio de aplicação consistente e coerente. Isso inclui a atuação da Administração Pública, do Judiciário e do arcabouço regulatório que, com a entrada em vigor da lei, será preciso construir e manter. O desafio da regulação digital não se esgota, portanto, nesta importante semana. É uma tarefa permanente e de longo prazo.

fonte: JOTA

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