Não aplicação da decisão do STF pela Câmara Superior do TIT. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108 (Tema nº 825) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 6.826, declarou a inconstitucionalidade da cobrança do Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações (ITCMD) sobre heranças e doações do exterior. Com isso, os valores recebidos por brasileiros por heranças ou doações originadas no exterior não devem ser oferecidos à tributação do ITCMD.
Contudo, em março de 2022, o STF entendeu, nos autos da ADIn nº 6.826, pela modulação dos efeitos de sua decisão, sendo, portanto, autorizada a cobrança do ITCMD até o dia 20 de abril de 2022 (data em que ocorreu a publicação do acórdão do RE nº 851.108), ficando vedada a cobrança do imposto a partir desta data, enquanto não for expedida Lei Complementar regulamentando a cobrança.
Apesar do posicionamento acima mencionado, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (“TIT-SP”) tem se manifestado, até o momento, no sentido de manter a cobrança do ITCMD que é exigido por meio de autos de infração e imposição de multa (“AIIM”). Em artigo publicado nesta coluna, Rodrigo Helfstein, Pesquisador do NEF-FGV/SP, já havia apontado a oscilação da jurisprudência do TIT sobre a Aplicabilidade de Precedentes de Tribunais Superiores. Em relação ao tema ora em análise, veja-se, exemplificativamente, um recente julgado.
Uma herdeira e seus irmãos, em razão do recebimento de participação societária de uma empresa estrangeira por conta do falecimento de seu pai, ajuizaram, em dezembro de 2017, o mandado de segurança nº 1059056-89.2017.8.26.0053 com a finalidade de ver afastada a incidência do ITCMD sobre suas respectivas heranças, pois os valores são oriundos do exterior, o que torna indevida a cobrança do imposto em razão de inexistir Lei Complementar regulamentando a matéria.
Apesar da impetração do mencionado mandado de segurança, a SEFAZ-SP lavrou, em 2018, o AIIM nº 4.111.851-0, consignando a cobrança do ITCMD sobre a herança (advinda do exterior) recebida por essa herdeira.
Após o regular processamento e andamento do feito, o AIIM mencionado já se encontrava em fase de recurso especial (interposto pela herdeira), mas antes de seu julgamento pela Câmara Superior do TIT-SP, o STF julgou o tema (como mencionado anteriormente) e declarou a impossibilidade da cobrança do ITCMD (i) sobre os fatos geradores ocorridos a partir de 20 de abril de 2021 e (ii) sobre os fatos geradores ocorridos antes de 20 de abril de 2021 para os contribuintes que, até aquela data, já tivessem ajuizado ação para questionar a incidência do imposto.
Assim, com base na decisão exarada pelo STF nos autos do RE nº 851.108 (Tema nº 825) e da ADIn nº 6.826, ter-se-ia possível o cancelamento do AIIM nº 4.111.851-0, visto que, apesar de o lançamento tratar de fato gerador ocorrido no ano-calendário de 2016, a herdeira ajuizou ação judicial em dezembro de 2017, de modo que ela se enquadraria na ressalva da modulação dos efeitos (item ii do parágrafo antecedente).
Por conta disso, a Câmara Superior do TIT-SP, quando do julgamento do recurso especial interposto pela herdeira nos autos do AIIM nº 4.111.851-0, poderia se manifestar de ofício pelo cancelamento da cobrança, visto a autorização do inciso I do artigo 28 da Lei nº 13.457/2009[1] e o efeito vinculante à administração pública, determinado pelo § 2º do art. 102 da Constituição Federal[2].
Frise-se, inclusive, que a Câmara Superior do TIT-SP, quando do julgamento do AIIM nº 4.032.789-9, reconheceu, de ofício, por força da nova Súmula nº 10 do TIT-SP, a limitação dos juros à Taxa SELIC (vide artigo publicado em 06.07.2022 por Michelle Cristina Bispo sobre o tema).
Por conta disso, restou evidenciada a possibilidade de a Câmara Superior do TIT-SP analisar de ofício a aplicação do leading case do STF, visto que, em outras oportunidades (como a acima mencionada), apesar de o contribuinte não ter pleiteado a apreciação de tal matéria, a Câmara Superior julgou o tema favoravelmente ao sujeito passivo, em atendimento ao princípio da eficiência administrativa.
Contudo, não foi o que ocorreu no caso do AIIM nº 4.111.851-0 (ora em análise), visto que, apesar de a herdeira, em seu recurso especial (“REsp”), ter pleiteado a aplicação ao caso do entendimento manifestado pelo STF nos autos do RE nº 851.108 (Tema nº 825) e da ADIn nº 6.826 (o que seria possível, inclusive, por força do inciso I do artigo 28 da Lei nº 13.457/2009), a Câmara Superior do TIT-SP, por unanimidade de votos, em 06.09.2022, negou seguimento ao Recurso Especial da herdeira nesse ponto.
O voto do juiz relator, Dr. Fábio Henrique Bordini Cruz, acompanhado unanimemente, foi no sentido de que, “[q]uanto ao pedido subsidiário de cancelamento do AIIM pela aplicação do entendimento exarado no julgamento do Recurso Extraordinário n° 851.108/SP (v. item V.1. do REsp), deixo de conhecer do apelo, pois a recorrente deixou de indicar acórdão paradigma a suportar o apelo, em ofensa ao art. 49 da Lei nº 13.457/2009 e art. 114 do Dec. 54.486/2009”.
Participaram do julgamento, além do relator, os juízes João Carlos Csillag, Valério Pimenta de Morais, Maria Augusta Sanches, Edison Aurélio Corazza, Alberto Podgaec, Marco Antônio Veríssimo Teixeira, Carlos Afonso Della Monica, Klayton Munehiro Furuguem, Isabel Cristina Omil Luciano, Maria do Rosário Pereira Esteves, Marcelo Amaral Gonçalves de Mendonça, Carlos Américo Domeneghetti Badia, Cacilda Peixoto, e Argos Campos Ribeiro Simões (Presidente).
Diante disso, apesar do posicionamento do STF favorável aos contribuintes (exarado nos autos do RE nº 851.108 – Tema nº 825 – e da ADIn nº 6.826), a Câmara Superior do TIT-SP manteve a cobrança do ITCMD incidente sobre herança oriunda do exterior.
Fonte: JOTA