Em 21 de agosto o Senado Federal aprovou o texto da MP da Liberdade Econômica, que traz medidas de desburocratização e simplificação de processos para empresas e empreendedores.
O texto segue agora, na forma de Projeto de Lei de Conversão (PLV 21/2019), para sanção presidencial e, dentre as matérias que normatiza, modifica substancialmente o instituto da desconsideração da personalidade jurídica definida no Código Civil, que vinha sendo utilizado de modo ampliativo e banalizado pelas Cortes de Justiça.
A finalidade da MP é refletir o entendimento mais consolidado entre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os pareceres da Receita Federal (RF). Contudo, as alterações têm suscitado diversos debates, por vezes controversos.
Estabelecida no artigo 50 do CC, a desconsideração da personalidade jurídica permite ao juiz estender obrigações da pessoa jurídica inadimplente a seus sócios, caso haja confusão patrimonial e/ou uso da pessoa jurídica com desvio de finalidade; e, também, desconsideração inversa da personalidade jurídica se a extensão das obrigações é dos sócios à sociedade.
As modificações legislativas ocasionadas pela MP se dividem em três frentes:
1) A desconsideração da personalidade jurídica só atingirá administradores e sócios que obtiverem vantagem devido ao abuso;
2) A definição dos conceitos de "desvio de finalidade" e "confusão patrimonial", que antes eram indeterminados e eram interpretados abertamente por cada decisão judicial;
3) A menção de que a existência de grupo econômico não autoriza, por si só, a desconsideração da personalidade sem os requisitos do desvio de finalidade e confusão patrimonial e que a alteração da finalidade original da atividade econômica da pessoa jurídica não significa, automaticamente, desvio de finalidade.
Em relação à primeira frente, há o acréscimo de que a desconsideração da personalidade jurídica também ocorre quando há benefício direto ou indireto do sócio e/ou administrador, o que confere um novo conceito ao instituto e que, possivelmente, terá difícil aplicabilidade na prática. O credor, em geral, tem poucas provas concretas, já que as disputas judiciais se referem a questões particulares entre a sociedade e os sócios, prejudicando a comprovação do benefício. A jurisprudência, nesse sentido, será responsável por definir se compreende que tais provas são, de fato, impossíveis de serem produzidas pelo credor, para então inverter, se o caso, o ônus probatório ao sócio ou administrador.
Já a segunda frente de alteração é controversa devido à intenção do legislador em determinar quais os conceitos de desvio de finalidade e confusão patrimonial para caracterizar abuso da personalidade jurídica. Aqui, o desvio passou a ser identificado como a "utilização dolosa" da pessoa jurídica, com o objetivo de prejudicar credores e praticar atos ilícitos de qualquer natureza. Mais do que a vantagem pessoal, o elemento dolo, adicionado pela lei, será difícil de comprovar, porque demanda a existência de prova de caráter essencialmente subjetivo e muitas vezes impossível de se alcançar no embate judicial.
A confusão patrimonial, por sua vez, ficou estabelecida como "ausência de separação de fato entre os patrimônios". Configura-se por meio do cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou administrador, pela transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações (exceto o de valor proporcionalmente irrelevante) e por outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. O intuito da terceira frente de alteração é o de combater duas teorias criadas pela jurisprudência: a da responsabilização do grupo empresarial, e a que via o desvio de finalidade como o exercício de atividade econômica em desvio do objeto social da sociedade.
Embora, aparentemente, as inovações da MP 881 imponham maior cuidado e exigências para que a desconsideração da personalidade jurídica seja reconhecida como instrumento legítimo de imposição de responsabilidade patrimonial a quem tenha; de outro lado, certamente trarão um desafio ao propósito principal da medida, que é o atribuir segurança e confiabilidade às relações negociais, zelando pelo direito do credor em receber o que lhe é devido.