Segundo a fundamentação apresentada pelo STJ no REsp 1.671.357, não deve incidir IOF-câmbio sobre operações simbólicas. No dia 9 de novembro de 2021, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no julgamento do REsp nº 1.671.357/SP, pela incidência do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre operações de câmbio (IOF-câmbio) em operações simultâneas de câmbio sem emissão de ordem de pagamento, conhecidas como operações simbólicas de câmbio.
Após retificar o resultado proclamado no dia 26 de outubro deste ano, a Turma, de maneira unânime, conheceu em parte do recurso e lhe negou provimento. Segundo o entendimento adotado pela Corte a partir do voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques, a conferência internacional de ações de sociedade estrangeira em aumento de capital de sociedade brasileira, mesmo que sem efetiva troca de moedas, atenderia à definição de operação de câmbio, nos termos do artigo 63, II, do Código Tributário Nacional (CTN).
No entanto, conforme se demonstrará, essa posição merece reparos, uma vez que, ao final do dia, atenta contra a própria noção de câmbio presente na competência tributária da União, nos termos do artigo 153, V, da Constituição Federal, e definida pelo artigo 63, II, do CTN. Tratando-se de decisão isolada de Turma, sem caráter repetitivo e envolvendo matéria constitucional, é de se esperar que matéria seja revista.
Não há dúvidas de que, para fins regulatórios, haja justificativa em exigir o registro das operações simbólicas de câmbio, com o respectivo contrato. Afinal, com isso, a autoridade monetária (em nosso caso, o Banco Central do Brasil) assegura o controle dos recursos investidos no Brasil por não residentes, ou no exterior, por residentes no país, independentemente de esse investimento ter ocorrido em moeda (estrangeira) ou se ocorreu mediante a entrega de participações societárias ou outros ativos.
Nesses termos, com respaldo na Lei nº 4.131/1962, o §1º do artigo 50 do Decreto nº 55.762/1965 permite que o regulador exija uma operação simbólica de câmbio na conversão de empréstimo em capital. Na mesma linha, quanto a conferências internacionais de ações, como no caso ora analisado, o artigo 13 da Circular Bacen nº 3.689/2013 exige “a realização de operações simultâneas de câmbio relativas ao ingresso de investimento externo no país e à saída de investimento brasileiro para o exterior”, efetivadas “sem emissão de ordens de pagamento com liquidação pronta e simultânea em um mesmo banco”.
No entanto, o regulador vai além, ao dispor expressamente que as operações simbólicas de câmbio devem ser consideradas como efetivas para todos os efeitos, inclusive, tributários. É, nessa linha, que o artigo 30 da Circular Bacen nº 3.691/2013, alterado pela Circular Bacen nº 3.845/2017, estipula que operações simultâneas “são consideradas, para todos os efeitos, operações efetivas”. Se, à luz, desse dispositivo se chegaria apenas à conclusão de que a expressão para todos os efeitos se insere somente no campo regulatório, seu §5º é expresso no sentido de serem efetivas também para “fins tributários”, muito embora a liquidação e (suposta) entrega da moeda estrangeira sejam simbólicas. Ou seja, não só temos a exigência, para fins regulatórios, de uma operação de câmbio sem a efetiva troca de moeda nacional por estrangeira, como também se considera que tais operações são efetivas para todos os efeitos, inclusive, tributários.
A afirmação de que os efeitos valem, inclusive, para fins tributários possui fundamento na regulamentação do IOF. Se, de um lado, tanto o Decreto-Lei nº 1.783/1980 quanto a Lei nº 8.894/1994 instituíram o IOF-câmbio simplesmente mencionando genericamente “operações de câmbio”, de outro, o Decreto nº 6.306/2007 (RIOF) esmiúça as diversas operações que estariam compreendidas naquela locução. Dessa forma, enquanto o artigo 15-B, XVIII, do RIOF estabelece alíquota zero na operação de compra de moeda estrangeira contratada simultaneamente com a operação de venda, a Receita Federal do Brasil (RFB) entende que, para a última, aplica-se o caput do artigo 15-B, cuja alíquota geral é de 0,38% [1].
Considerando a previsão regulatória acompanhada do papel regulamentar do RIOF, discutiu-se perante o STJ se essa exação estaria compreendida na definição de operação de câmbio, consoante dispõe o artigo 63, II, do CTN. Na mesma linha que a RFB, no julgamento do REsp nº 1.671.357/SP, o ministro Campbell Marques estendeu a posição do STJ em relação à CPMF [2] para o caso do IOF, uma vez que, havendo mensurabilidade em dinheiro, a operação simbólica de câmbio caracterizaria circulação escritural de moeda, o que respeitaria a definição do referido artigo 63, II [3].
Em poucas palavras, de acordo com a Receita Federal e o STJ, a incidência do IOF-câmbio em operações simultâneas de câmbio se justificaria: 1) na formalização de contrato de câmbio exigida pelo BC e na equiparação das operações simultâneas como efetivas; 2) na operação de câmbio que supostamente ocorreria com a disponibilidade jurídica de moeda estrangeira derivada de transferência escritural de sua propriedade (tal qual se dava com a CPMF); e 3) na irrelevância de não haver um pagamento em tais operações. No entanto, nenhum desses argumentos merece prosperar.
Quanto 1) à formalização de contrato de câmbio exigida pelo BC e a equiparação como efetiva, é preciso consignar que o BC não possui competência para definir a hipótese tributária do IOF, ainda que este seja um imposto eminentemente regulatório. Nos termos do artigo 146, III, da Constituição Federal, cabe à lei complementar – de cujo status goza o CTN – definir a hipótese tributária. Desse modo, é a sua definição de operações de câmbio (presente no artigo 63, II) que importa, não sendo permitido ao BC atribuir efetividade para uma operação que não a respeite. Ao BC é permitido exigir formalização de contrato de câmbio e tratar certas operações como se de câmbio fossem, mas apenas para fins regulatórios, jamais para fins tributários. E ainda que essa exigência seja feita, destaca-se que a hipótese tributária do IOF não é formal, sendo necessária a efetiva troca de moeda nacional por divisa estrangeira, ou vice-versa, uma vez que a hipótese tributária do IOF se materializa não com a celebração do contrato de câmbio, mas com a entrega ou disponibilização da moeda.
Tampouco há que se falar em 2) disponibilidade jurídica de moeda estrangeira derivada de transferência escritural de sua propriedade nas operações simbólicas. Conforme dispõe o artigo 63, II, do CTN, exige-se expressamente uma contraposição entre moeda nacional e moeda estrangeira, pois, de outro modo, de câmbio não se trata. Contudo, nas operações simbólicas de câmbio, não há contraposição de moeda nacional com estrangeira, seja a partir do sentido técnico ou vulgar de moeda escritural.
Em seu sentido técnico, moeda escritural consiste no montante excedente dos depósitos à vista constantes em determinadas instituições financeiras [4]. Ou seja, há diversos registros escriturais no sistema interbancário, os quais são decorrentes de depósitos à vista, transferências bancárias e operações de crédito; porém, o total de moeda ali indicado não corresponde ao tanto de moeda física detido por todas as instituições que compõem esse sistema.
Por isso, não se pode dizer que a moeda escritural transitaria diretamente entre pessoas físicas ou jurídicas não financeiras [5], pois não transita nem mesmo entre instituições financeiras e tais pessoas; mas apenas entre pessoas financeiras. A partir do momento em que ela sai da seara bancária, ela ingressa no ambiente privado, mediante moeda física [6]. Diante disso, é incorreto dizer que, considerando o sentido técnico de moeda escritural, haveria circulação de moeda escritural nas operações simbólicas, uma vez que, nessas operações, não há transferências através do sistema interbancário (e.g., via cheque, TED, DOC, Pix etc.).
Já em seu sentido vulgar, a circulação de moeda escritural se daria por conta da suposta transferência de sua propriedade mediante qualquer cessão de crédito, inclusive, entre partes não financeiras, mesmo que a contraprestação seja a entrega de participações societárias. Nesse ponto, busca-se transportar o raciocínio jurídico feito na hipótese tributária da CPMF para o IOF-câmbio, ao arrepio do artigo 63, II, do CTN. Contudo, no caso da CPMF, a hipótese tributária vinculava-se a uma movimentação de valores, créditos e direitos de natureza financeira que representassem a circulação escritural ou física de moeda, sendo que expressamente o inciso VI do artigo 2º da Lei nº 9.311/1996 contemplava eventual circulação ocorrida em sistema paralelo que fora organizado para efetivá-la – o que tornava mais defensável o argumento de que operações simbólicas deveriam ser atingidas pela CPMF.
Por outro lado, a hipótese tributária IOF-câmbio tal qual definida pelo artigo 63, II, do CTN exige uma contraposição de moeda nacional (física ou escritural) com uma moeda estrangeira (física ou escritural), o que não ocorre nas conferências internacionais de ações mediante entrega de participação societária ou outros ativos. Afinal, não há qualquer contraposição de moedas, mas, por exemplo, apenas de participações societárias – de um lado, a que se integraliza, e, de outro, a que se recebe em troca.
Em face da ausência de vera contraposição de moedas, a Receita Federal e o STJ ainda sustentam 3) a irrelevância de não haver um pagamento em tais operações. Ou seja: aceita-se a mera mensurabilidade em moeda estrangeira/nacional. No entanto, não basta argumentar que os valores são mensurados em moedas diversas: qualquer bem ou direito pode ser medido em qualquer moeda. Ao afastar o pagamento pelo argumento da mera mensurabilidade, deixa-se de lado a própria noção de câmbio que é justamente conferir preço (moeda nacional) a uma moeda internacional, cujo status no direito doméstico é de mercadoria em razão do curso legal da moeda do país. Ora, entendê-lo como prescindível nada mais é que contornar o próprio elemento fundamental presente no câmbio: a existência de uma contraposição entre moedas. Portanto, na operação simbólica, por mais meritório que seja o controle regulatório, não existe uma efetiva operação de câmbio.
Diante do exposto, conclui-se que, não obstante a fundamentação apresentada pela 2ª Turma do STJ no bojo do REsp 1.671.357, não deve incidir IOF-câmbio sobre operações simbólicas, visto que: 1) o BC não é competente para definir sua hipótese tributária; 2) inexiste operação de câmbio sem uma efetiva contraposição de moeda nacional com estrangeira, nos termos do artigo 63, II, do CTN, seja a partir do sentido técnico ou vulgar de moeda escritural; e porque 3) o objeto da operação de câmbio é a contraposição da moeda estrangeira com a nacional e não a contraposição entre participações societárias.
Por isso, tratando-se ainda de precedente isolado, espera-se que essa posição seja revisitada, considerando não só o próprio artigo 63, II, do CTN, mas também a competência tributária da União, nos termos do artigo 153, V, da Constituição Federal, já que cogitar a incidência do IOF-câmbio em operações simbólicas ultrapassa a própria noção de câmbio presente no típico IOF-câmbio.
[1] Cf. Solução de Consulta Cosit nº 261, de 26 de setembro de 2014; Solução de Consulta SRRF08/Disit nº 15, de 31 de janeiro de 2012; Solução de Consulta SRRF04/Disit nº 4.028, de 3 de novembro de 2014; Solução de Consulta SRRF10/Disit nº 10.001, de 21 de janeiro de 2015; e Solução de Consulta Cosit nº 597, de 21 de dezembro de 2017.
[2] Cf. STJ, Resp. nº 1.129.335/SP, rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, j. 09 de junho de 2010.
[3] No mesmo sentido, cf. BOITEUX, Fernando Netto. A incidência do IOF sobre as operações de “câmbio simbólico”. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 164, p. 43–52, 2009, p. 47.
[4] Cf. DE CHIARA, José Tadeu. Moeda e Ordem Jurídica. Tese de Doutoramento, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1986, p. 81; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Direito Monetário e Tributação da Moeda. São Paulo: Dialética, 2006, p. 47.
[5] Cf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. Direito Monetário e Tributação da Moeda. São Paulo: Dialética, 2006, p. 47.
[6] Cf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. Direito Monetário e Tributação da Moeda. São Paulo: Dialética, 2006, p. 47.
fonte: JOTA