Processo movido por estúdio contra o cineasta indica que implicações dos NFTs na propriedade intelectual estão longe de resolvidas
A mais recente polêmica no efervescente universo dos NFTs é o processo judicial instaurado pelo estúdio Miramax contra o cineasta Quentin Tarantino, diretor do longa “Pulp Fiction”, entre outros. A ação veio na esteira do anúncio de que Tarantino irá leiloar sete NFTs relacionadas ao clássico cult do cinema.
A ação judicial é indicativa de que a febre dos NFTs já ganhou tração suficiente para atrair a atenção de grandes players do mercado de artes e entretenimento, e um olhar mais atento sobre o processo demonstra que as questões jurídicas envolvidas no mercado de NFTs, especialmente aquelas relacionadas a propriedade intelectual, estão longe de resolvidas.
Para entender o imbróglio envolvendo o diretor, vale rememorar brevemente o conceito de NFT: o termo “non-fungible token” designa um ativo digital não fungível. O NFT não é a obra artística propriamente dita, e sim uma representação que contém metadados e um código de identificação único, garantindo ao comprador uma espécie de certificado de propriedade dentro da blockchain.
Exemplos de NFTs incluem representações criptográficas de artigos digitais colecionáveis, itens para uso em games, criações artísticas em formato digital, gifs, ingressos para eventos, entre outros. Um trecho de um filme ou de uma música digitalizado pode ser vinculado a um NFT e comercializado na internet a qualquer interessado, sendo que o “comprovante” desta transação ficará armazenado na blockchain.
Em regra, a comercialização de um NFT a partir de uma obra artística pré-existente deve ser autorizada pelo titular dos direitos autorais de exploração econômica sobre ela. Nem sempre este titular é o criador, mas sim editoras, produtoras e emissoras e as demais empresas que atuam no ecossistema de entretenimento.
No caso de Tarantino, segundo veiculado na mídia, o NFT é caracterizado por trechos digitalizados do roteiro original do longa comentados pelo diretor, e é neste ponto que reside o problema. Segundo o site www.tarantinonfts.com, criado para a divulgação do projeto, cada NFT comercializado contém “um ou mais segredos inéditos relacionados a uma cena icônica do filme ‘Pulp Fiction’”[1].
A Miramax alega que o estúdio possui amplos direitos sobre a distribuição, exibição e comercialização do filme, enquanto Tarantino é titular de alguns direitos reservados relacionados ao longa, entre eles o direito sobre a trilha sonora e o direito de publicação do roteiro. Ao longo dos anos, a empresa vem faturando com a exploração econômica desses direitos, que engloba desde a comercialização de camisas até a venda de coleções de maquiagem e brinquedos temáticos.
Conforme consta na íntegra da petição ajuizada pela Miramax e divulgada pela revista especializada Variety, a defesa de Tarantino alega que, como o NFT é formado por trechos digitalizados e comentados do roteiro, sua comercialização estaria dentro dos direitos de publicação do roteiro pertencentes ao cineasta.
Para a Miramax, contudo, os direitos do diretor não englobam novos formatos de exploração da obra inexistentes na época em que o filme foi produzido, que pertenceriam ao estúdio. Além dos direitos autorais, o caso envolve ainda a alegação de infração a direitos da marca “Pulp Fiction”, registrada pela Miramax, e alegação de concorrência desleal.
Enquanto o Judiciário não se pronuncia sobre quem tem razão, o certo é que as recentes iniciativas envolvendo NFTs demonstram que há um terreno ainda pantanoso a ser explorado juridicamente. Mas os fãs do diretor, alheios à polêmica, já fazem fila para a compra da memorabilia digital.
[1] “Each NFT contains one or more previously unknown secrets of a specific iconic scene from Pulp Fiction”.
Fonte: JOTA