Reformas “powerpoint” se resumem a não apresentar informações necessárias sobre impacto econômico e financeiro. Na década de 80, uma propaganda de bebidas conquistou o coração dos brasileiros com a clássica frase: “Eu sou você amanhã”, o chamado efeito “Orloff”, de modo a enfatizar a importância da escolha racional baseada no conhecimento das características do produto a fim de se evitar os efeitos e resultados no dia seguinte.
A PEC 110/2019, na qual, nos últimos dias, apresentaram a proposta de modelo de tributação do consumo do país, a se utilizar de um “IVA Dual”, consiste em um caminho que causará graves danos à nossa economia, em especial, ao empreendedorismo.
No que tange a referida PEC, a qual apresenta em seu projeto inicial, 2 páginas e meia de justificativa, busca-se uma reforma do consumo ampla através de um IVA (imposto sobre valor agregado) denominado IBS – Imposto sobre Bens e Serviços. Assim, pouco mais de dois anos após seu protocolo, referida proposta altera sua matriz para criação de dois IVAs, quais sejam: CBS e IBS.
A CBS –Contribuição sobre Bens e Serviços, busca a junção da contribuição ao PIS e da COFINS, bem assim resolver a elevada subjetividade da “não-cumulatividade” das contribuições, especialmente, no tocante ao conceito de insumo; oferece melhorias ao apresentar o crédito amplo, mas incerteza pairam sobre sua base de cálculo, especialmente ao tratarmos sobre tributação de receitas financeiras.
Quanto ao IBS, ressalta um modelo de tributação no destino, com regimes diferenciados e benefícios fiscais que seriam determinados via Lei complementar, ao relatar que não haveria afronta ao Simples Nacional, não-cumulatividade plena, entenda-se como “crédito absoluto” de característica inexequível, pois, permite créditos não reconhecidos pelos sistemas de creditamento “físico” e “financeiro”.
Entretanto, reformas “powerpoint” se resumem a não apresentar os dados e informações necessárias para uma análise econômica e financeira do impacto do principal meio de custeio da atividade estatal.
Não bastasse o fato de que a justificativa da PEC 110/2019 apresenta 2 páginas e meia, o powerpoint sequer apresenta as principais informações quando tratamos da tributação do consumo, quais sejam: a alíquota, sua base tributável, seu potencial arrecadatório e seus efeitos sobre os preços dos produtos.
Considerando estudos econômicos, para o desenho do IVA/VAT/IBS/GST propostos estaríamos a tratar de alíquotas extremamente elevadas superiores à 32%. Os efeitos sob o setor produtivo serão desastrosos.
Cabe destacar que o IVA, não é um imposto sobre consumo, mas um tributo sobre a produção que traslada sua carga e todas as suas ineficiências, além do excesso de burocracia, ao consumidor, haja vista que o ato do consumo ocorre uma vez só na cadeia de eventos, ou seja, quando o consumidor realiza sua aquisição.
Ora, se considerarmos que em uma simples operação de compra online, via cartão, temos diversos agentes (lojista, subcredenciador, marketplace, bandeira, emissor, adquirência, registradora, dentre outros), imaginem o imposto sendo transladado, em patamares superiores a 30%, ao consumo; haja vista que tais agentes prestam serviço ao eixo da cadeia econômica que é transferido diretamente ao preço dos serviços entregues ao consumidor.
Grande problema dos admiradores do IVA/VAT/IBS/GST é imaginar que a economia em digitalização opera em “ferrovia” e passam a olhar para trás de forma mecânica, a tentar repetir um passado que não foi nada bem-sucedido como têm mente; e que por crença não são tão criativos ou flexíveis em resposta às mudanças na ambiência tributária.
Esses admiradores alegam preferir a simplicidade, mas ao negar à sociedade o conhecimento da alíquota combinada da proposta “IVA DUAL”, que poderá atingir 12% advindo da CBS e 26% advindo do IBS, a totalizar 38%; tornam obscuro e incerto o dia de amanhã; é como o ICMS dizer ao IBS, eu sou você amanhã.
Imagine como será, para o bolso do consumidor (contribuinte de fato) arcar com uma carga tributária desconhecida e que poderá superar em 50% a atual, de modo a elevar os preços dos produtos finais, a provocar o aumento da informalidade e da carga tributária, redução das trocas comerciais haja vista o aumento do peso morto tributário, fato que significa desemprego.
No que se refere ao empreendedorismo, especialmente o Regime do Simples Nacional, promete a isenção na operação de venda ou saída, mas não explicitam como a pequena empresa arcará com uma carga de 38% advinda da operação anterior sem a possibilidade de compensação através do sistema de crédito e débito do IBS, ou seja, o imposto pago na aquisição do bem ou serviço, tornar-se-á custo para esses empreendedores.
Simples, o empreendedor deverá “escolher”: (i) pagar pelo crédito ao adquirir o produto, porém, não se aproveitar dele na apuração do IBS haja vista a isenção do sistema “Simples”, de modo a arcar com um efeito cumulativo em sua operação em uma alíquota de patamares superiores a 30%; ou (ii) ter o direito ao crédito, entretanto, deve recolher um imposto sobre uma alíquota absurdamente elevada somada ao custo de conformidade fiscal.
Haverá uma verticalização do processo econômico, uma vez que uma grande empresa não adquirirá de um Simples Nacional, tendo em vista a ausência de geração crédito! Como esses empreendedores enfrentarão tamanho incremento de carga e custo de conformidade, resta saber.
Cabe destacar os efeitos cíclicos da história. Em 2017, a Índia implementou a reforma tributária nos moldes do pretenso IBS brasileiro, tendo, inclusive, concedido à mesma opção aos pequenos e médios empresários. Porém, conforme relatório do Banco Mundial[1], o elevado custo de conformidade tributário derivado do GST acabara por impactar negativamente as pequenas e médias empresas indianas que não adimpliram com o custo de conformidade tributária do novo sistema, de modo a resultar em uma onda de desemprego e desespero.
Cuidado com o efeito “Orloff”.
Quanto ao crédito pleno e não cumulatividade, diz-se que estará vinculado ao pagamento do tributo. Ora, se o crédito está vinculado ao adimplemento do tributo pelo fornecedor, obviamente tal risco será contabilizado e calculado como custo na atividade econômica. Fato que será judicializado e instaurado um estado de insegurança jurídica.
A considerar que para resolução dos problemas e desequilíbrios em nosso sistema tributário não busquemos solucioná-los com o mesmo raciocínio utilizado para criá-los, ideia que significa uma posição distinta da maneira como a reforma tributária está a ser conduzida neste país.
Nos termos do artigo apresentado nesse periódico, propomos o “Imposto sobre a Aquisição, por consumidor, de Produtos e Serviços de qualquer natureza” (IAC); não influenciará as decisões de investimento das empresas, gerará receitas significativas ao Erário a taxas mais baixas, estabilidade necessária às perspectivas longo prazo ao oferecer maior capacidade de tração ao ambiente econômico e, por conseguinte, tributação e sua coleta, visto sua eficiência e eficácia ao alargar a base tributável.
Ressalte-se sua externalidade extremamente positiva, o IAC é um tributo sobre consumo stricto sensu, ou seja, não tributará a cadeia produtiva e não provocará as externalidades deletérias que o IVA provoca.
Diferentemente dos modelos oferecidos ao Congresso, o IAC se adapta aos novos desafios digitais; coletará com eficiência, a uma alíquota de 12%, valores superiores à somatória do ICMS e ISS; eficácia e agilidade a baixo custo de conformidade e trará ao ambiente empresarial e governamental a estabilidade necessária ao desenvolvimento deste país. A proposta, bem assim o estudo econômico, está disponibilizado no site.
Pense bem, pois a dor de cabeça advinda da ressaca da má escolha baseada em modelos powerpoint durará 50 anos de transição como previsto pelos criadores do IBS.
Somos o resultado de nossas escolhas. Ao falarmos de reforma tributária é imperiosa a análise cautelosa de todos os impactos econômicos e financeiros, de modo a não se camuflar ou eclipsar, em apresentações powerpoint, propagandas que não apresentam as principais características do produto.
Fonte: Jota GUILHERME ELEUTÉRIO MARTÍNEZ