Aspectos legais quanto ao momento da dedução dessas perdas na apuração do IRPJ e da CSLL
No exercício das atividades empresariais, as companhias estão constantemente lidando com diferentes tipos de risco, os quais podem variar de acordo com o segmento de mercado. Existem riscos, no entanto, que estão presentes em praticamente todos os negócios, sendo um deles o risco de crédito, associado a uma inadimplência de obrigação assumida por terceiro frente à companhia.
Da perspectiva fiscal, o risco de crédito é relevante pelo fato de que o imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) incidem sobre o acréscimo patrimonial obtido pela companhia em um determinado período, de modo que eventos de inadimplência, por representarem um desfalque do patrimônio, geram impactos na apuração desses tributos.
Nesse sentido, na legislação brasileira, o artigo 9º da Lei nº 9.430/96 estabelece o regime tributário de dedução das perdas no recebimento de créditos, prescrevendo condições objetivas que devem ser cumpridas pelo contribuinte para que esses valores sejam deduzidos na apuração do IRPJ e da CSLL.
As dúvidas recorrentes sobre o tema, no entanto, dizem respeito às seguintes questões: o contribuinte está obrigado a deduzir as perdas no recebimento de créditos no exato período de apuração em que tiver cumprido essas condições ou o poderá fazer em momento posterior? A dedução em período posterior importa em redução indevida do lucro real? É o que passamos a analisar.
Distinção entre “poder” e “dever”
Em primeiro lugar, há que se destacar que o legislador, ao tratar do tema no artigo 9º da Lei nº 9.430/96, estabeleceu que as perdas no recebimento de créditos, após cumpridas determinadas condições, “poderão” ser deduzidas pelo contribuinte.
Desse modo, nos parece que, ao utilizar o verbo “poder”, ao invés do verbo “dever”, o legislador conferiu ao contribuinte um direito de deduzir as perdas no recebimento de crédito a partir do momento do cumprimento das condições por ele impostas, mas não necessariamente nesse exato momento.
Além disso, há que se destacar que o legislador nos incisos do artigo 9º utilizou a expressão “vencidos há mais de um ano/de dois anos”, o que também parece indicar um direito que poderá ser exercido a partir de um determinado momento. Isso porque, se a regra estabelecesse um único momento para o exercício desse direito, a expressão seria “vencidos há um ano/dois anos” e não “vencidos há mais de um ano/de dois anos”, já que a exclusão seria realizada exatamente após 365 ou 730 dias.
Fundamentos da faculdade conferida pelo legislador
Uma vez assumido que o artigo 9º da Lei nº 9.430/96 permite ao contribuinte deduzir as perdas no recebimento de crédito a partir de um determinado período, podem surgir dúvidas sobre o motivo pelo qual o legislador teria agido dessa maneira, já que, como regra geral, as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL deveriam ser apuradas mediante o confronto das receitas auferidas no período com os custos e despesas correspondentes.
Desse modo, o momento de reconhecimento dos elementos que afetam positiva ou negativamente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL não poderia ser definido com base em critérios discricionários, sob pena de distorção dessas bases.
No entanto, cabe destacar que a alocação temporal de uma perda no recebimento de crédito não pode ser feita com base em critérios ordinários, já que essa perda não contribui para a geração de uma receita correspondente e não é possível estabelecer com exata segurança o momento em que uma perda no recebimento de crédito é efetivada, isto é, se torna definitiva.
Nesse sentido, para fins contábeis, por exemplo, é possível que, em decorrência do princípio da prudência, uma perda associada a um evento de inadimplência seja reconhecida, mensurada e registrada pela entidade antes mesmo de se tornar definitiva, já que esse procedimento irá preservar a qualidade da informação transmitida ao usuário da informação contábil.
Para fins fiscais, no entanto, esse critério poderá não ser adequado. Por esse motivo, o legislador estabeleceu que o regime dedução dessas perdas na apuração do IRPJ e da CSLL não deveria seguir os critérios previstos nas regras contábeis, ou seja, o legislador entendeu por abandonar os critérios contábeis e estabelecer um regime jurídico próprio, que é hoje previsto no artigo 9º da Lei nº 9.430/96.
Ainda, no desenho desse regime jurídico próprio, o legislador, assumindo que não seria possível determinar, de forma segura, que uma perda no reconhecimento de crédito estaria associada a um período de apuração específico, teve o cuidado de conciliar essa realidade com os interesses arrecadatórios, adotando a seguinte solução: previu, de forma extremamente detalhada, condições objetivas que, se cumpridas, tornariam as perdas no recebimento de créditos dedutíveis, protegendo os interesses arrecadatórios; e autorizou o contribuinte, que cumpriu as condições objetivas, a excluir essas perdas, não impondo qualquer limitação temporal para exercício desse direito, por reconhecer a impossibilidade de alocar esses valores a um período de apuração específico.
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
No acórdão nº 1402-001.127, o Carf entendeu, em linha com o exposto nos parágrafos anteriores, que a regra contida na Lei nº 9.430/96 é no sentido de que, a partir do momento de cumprimento das condições legais, as perdas podem ser deduzidas pelo contribuinte, não existindo prazo para o exercício desse direito.
IN RFB nº 1.700/17 (Redação dada pela IN RFB nº 1.881/19)
Em linha com o posicionamento apresentado nos parágrafos anteriores, cabe destacar que a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.881/19 alterou a Instrução Normativa RFB nº 1.700/17 para estabelecer no artigo 71, §14, que “a dedução de perdas de que trata este artigo pode ser efetuada em período de apuração posterior àquele em que forem cumpridos os requisitos para a sua dedutibilidade, desde que mantidas as condições no momento da dedução”.
Sobre a expressão “desde que mantidas as condições no momento da dedução”, nos parece que significa que, para deduzir as perdas em períodos futuros, o contribuinte deve, também no período em que promover a exclusão, cumprir as condições previstas no artigo 9º da Lei nº 9.430/96.
Ausência de descumprimento do regime de competência
A dedução das perdas no recebimento de crédito em período posterior ao que forem preenchidas as condições previstas em lei também não representa uma violação ao regime de competência (questão usualmente suscitada pelas Autoridades Fiscais em lançamentos fiscais desta natureza).
Isso porque, o regime de competência é um regime contábil de apropriação de receitas, custos e despesas. Por outro lado, o artigo 9º da Lei nº 9.430/96 é uma regra que estabelece ajustes ao lucro líquido (contábil) para fins de apuração do IRPJ e da CSLL. Portanto, tendo em vista que é uma regra fiscal e não contábil, não há que se falar em violação ao regime de competência.
Da mesma maneira, a dedução em período posterior ao que forem preenchidas as condições previstas em lei também não atrai o artigo 285 do Decreto nº 9.580/18 (RIR/18), que dispõe que poderá ser formalizado lançamento fiscal se, em decorrência da inexatidão da escrituração de uma “dedução”, houver uma postergação do pagamento do imposto ou redução indevida do lucro real.
Isso porque, preenchidas as condições do artigo 9º da Lei nº 9.430/96, não haverá que se falar em inexatidão quanto período de escrituração da “dedução” (caput do 285 do RIR/18) e, muito menos, redução indevida do lucro real em razão dessa inexatidão da escrituração (inciso II).
Por fim, em que pese a posição das Autoridades Fiscais, deve-se mencionar que também não existe um dever de reconhecer essas perdas em um período no qual será verificado um efeito fiscal específico, visto que, nas situações em que o legislador quis que o reconhecimento de um ganho ou uma perda gerasse um efeito fiscal específico, ele o fez de forma expressa.
É o que se verifica, por exemplo, com o ganho de avaliação a valor justo não controlado em subconta, para o qual a Lei nº 12.973/14 prevê, expressamente, no artigo 13, §4º, que o reconhecimento “deverá” ser em período no qual esse valor não seja absorvido por prejuízo fiscal corrente.
Assim, podemos concluir que o contribuinte não está obrigado a deduzir as perdas no recebimento de créditos no exato período de apuração em que tiver cumprido as condições previstas no artigo 9º da Lei nº 9.430/96, de modo que a dedução em período posterior não deveria importar em redução indevida do lucro real.
Fonte JOTA Reinaldo Engelberg/ Bruno Oyamada