Profissionais devem fornecer também suporte e aconselhamento proativos em temas de ética e integridade
Nas principais empresas nos Estados Unidos, atualmente já é amplamente estabelecido que o departamento jurídico interno deve desempenhar um papel de protagonismo em relação ao programa de ética e compliance da empresa.
Em algumas delas, a função de compliance reporta ao departamento jurídico, enquanto em outras as áreas são totalmente separadas. Em muitas empresas, é esperado que o responsável pela área de compliance seja um advogado, mas em outras esse não é o caso.
Em qualquer caso, entende-se que o departamento jurídico interno deve não apenas fornecer aconselhamento e defesa em relação a riscos jurídicos, mas também que engaje com os líderes de negócio e com funções-chave de controle para assegurar que as regras de compliance da empresa são seguidas e que ética e integridade fazem parte da cultura da organização.
O crescente foco em programas de ética e compliance corporativos, globalmente, tem gerado discussões interessantes em muitas jurisdições a respeito do papel do departamento jurídico interno.
O Brasil é um caso fascinante nesta questão. É a maior economia na América Latina – uma das 10 maiores no mundo – e apresenta uma ampla e sofisticada comunidade jurídica. Desde o início de 2014, o Brasil conta com uma legislação anticorrupção (conhecida como “Lei da Empresa Limpa”) que estabelece a responsabilização objetiva de pessoas jurídicas e incentiva empresas a implementar programas de compliance e a cooperar com autoridades.
Posteriormente, com o advento da Operação Lava Jato e outras investigações e processos sancionatórios conduzidos por autoridades brasileiras, em diversos setores da indústria, o Brasil passou por uma mudança radical em relação à percepção da comunidade jurídica e empresarial a respeito da importância de programas de ética e compliance. Essas mudanças levantaram a discussão sobre o papel dos advogados internos de empresas, incluindo como absorver práticas internacionais nessa área.
A experiência dos Estados Unidos
Nos Estados Unidos, o papel do departamento jurídico interno evoluiu em um cenário de maior fiscalização e aplicação de sanções por crimes corporativos por parte de reguladores e outras autoridades. Primeiramente, as diretrizes federais de aplicação de sanções (federal sentencing guidelines) de 1991 aumentaram drasticamente as multas penais por fraude corporativa.
Posteriormente, vieram o escândalo da Enron de 2000, que resultou na persecução criminal e na dissolução tanto da própria companhia quanto da empresa que a auditava; a Lei Sarbanes-Oxley, em 2002; e, a partir dos anos 2000, uma nova ênfase do Departamento de Justiça (Department of Justice – DOJ) em iniciar processos por violação ao FCPA, incluindo contra diversas empresas amplamente conhecidas.
Atualmente, tal como antes, uma das principais funções dos departamentos jurídicos internos nos Estados Unidos é defender a empresa, inclusive em assuntos ligados a alegações de fraude. No entanto, o elevado risco de processos sancionatórios faz com que os interesses dos clientes internos demandem mais do que apenas defesa.
Tão importante quanto isso é prevenir os tipos de conduta que levam à instauração de investigações e processos, bem como identificar e remediar condutas indevidas que possam surgir. Os departamentos jurídicos internos passaram a assumir responsabilidade por ética e integridade corporativas como elementos fundamentais para a gestão de riscos legais da companhia.
Uma das formas mais importantes para o departamento jurídico interno agregar valor à companhia é desmistificando o compliance aos líderes de negócio, ajudando-os a entender e a abraçar o programa de ética e compliance como fundamental para prevenir, mitigar e tratar riscos de fraude corporativa e as responsabilidades que dela podem advir.
Nessa linha, o departamento jurídico interno desempenha, tipicamente, um papel relevante em gerenciar investigações internas, assim como processos de remediação, que podem ser altamente sensíveis e difíceis para o negócio; em assegurar que as políticas de ética e compliance da companhia alinham-se com os riscos da companhia; em manter treinamentos efetivos de ética a funcionários e líderes; e em trabalhar com as áreas financeiras e de auditoria interna para assegurar o monitoramento e a revisão dos riscos e das ferramentas de mitigação da companhia.
O departamento jurídico também pode ser crucial para garantir que a companhia forneça recursos suficientes ao programa de ética e compliance, uma vez que o departamento jurídico deve compreender as exposições e responsabilidade que podem surgir na falta de um programa robusto.
O departamento jurídico não tem o monopólio dessas atividades: profissionais de compliance com experiências profissionais diversas são cada vez mais importantes nas organizações. Mas, certamente, hoje é amplamente aceito nos Estados Unidos que o departamento jurídico interno deve pensar holisticamente e de forma proativa sobre como apoiar seus clientes corporativos na identificação, prevenção, gerenciamento e defesa de riscos de ética e de compliance (os quais, frequentemente, também representam riscos legais).
Uma nova geração de advogados internos brasileiros desafiando premissas passadas
Há uma mudança fundamental ocorrendo nas multinacionais sediadas no Brasil em relação ao papel do departamento jurídico interno a respeito de ética e compliance. Uma nova geração de advogados vem surgindo e está rompendo com visões previamente definidas – seja na teoria ou na prática – de que advogados internos deveriam agir focados estritamente na defesa do cliente, ser técnicos em sua abordagem e reativos às demandas de seus clientes internos.
Processos sancionatórios resultando em multas criminais, cíveis e administrativas pesadas, não apenas por autoridades brasileiras, mas também por autoridades dos Estados Unidos, impostas às maiores companhias do Brasil, fizeram com que os líderes empresariais fossem compelidos a aceitar uma mudança no papel que os advogados internos deveriam desempenhar. Práticas e atitudes históricas tiveram que mudar, e apesar dessas mudanças não serem limitadas à área jurídica, certamente o departamento jurídico interno foi, e é, crucial para essa evolução.
No Brasil, até recentemente não era incomum que o departamento jurídico interno agisse, reflexivamente, como um “Dr. Não” em determinadas ocasiões, enquanto em outras situações tolerasse condutas envolvendo significativo risco de compliance devido ao sentimento de que o papel do advogado estaria fortemente circunscrito a endereçar questões dos seus clientes somente quando solicitado ou a defendê-los quando necessário.
O departamento jurídico interno tendia a não enxergar, como parte de seu papel, a identificação proativa de riscos de compliance e a liderança de esforços para a construção de programas de compliance, ao mesmo tempo em que atua para o atingimento dos objetivos de negócio da companhia.
Por vezes, uma visão excessivamente tecnocrata do papel dos advogados também contribuía para uma situação em que as atribuições do departamento jurídico interno, ainda que sempre importantes, tendessem a ser indevidamente limitadas.
Por fim, tanto advogados internos como externos poderiam adotar uma abordagem excessivamente defensiva em relação a questões de compliance, em uma espécie de postura de “negar até o fim”. Havia dificuldade em considerar estratégias que envolvessem compreender o que ocorreu, cooperar com as autoridades, aceitar erros e comprometer-se a remediar e a aprimorar.
Essas tendências constituíram desafios reais para que os departamentos jurídicos internos apresentassem argumentos convincentes para os líderes do negócio que os levassem a dedicar sua liderança e recursos para apoiar ética e compliance na empresa.
A visão profissional do advogado sobre o seu papel dentro do ambiente corporativo começou a mudar. Essa mudança é semeada nas salas de aula das faculdades de direito, onde uma nova geração está sendo treinada para encarar as demandas que estão surgindo do mercado.
Ao invés de serem um público que “recebe conhecimento”, faculdades de direito mais inovadoras estão incentivando seus estudantes a desafiarem a si mesmos, bem como o mercado a considerar o processo de tomada de decisões corporativas de forma mais holística, perguntando: “O que faz sentido nessas circunstâncias, e por que?”
O número crescente de advogados brasileiros treinados em múltiplas tradições jurídicas – programas de LLM internacionais, experiência com multinacionais internacionais e trabalho como advogado externo para clientes internacionais – acelerou ainda mais a re-instrumentalização da profissão.
Mais do que nunca, um grupo significativo dessa nova geração está assumindo papeis internos em companhias, passando a conhecer por dentro o mundo dos negócios e ganhando a confiança dos líderes empresariais de que o advogado interno é indispensável para o sucesso do programa de ética e compliance.
Certamente, essas mudanças não estão ocorrendo de forma uniforme no mercado. Muitas empresas de pequeno e médio portes continuam tendo dificuldades em incorporar o departamento jurídico interno as suas iniciativas de ética e compliance. Contudo, o mercado está reconhecendo, cada vez mais, que advogados internos são aliados cruciais para fortalecer programas que vão além do papel em que foram escritos e que são verdadeiramente incorporados pelo negócio.
Os times de compliance podem disseminar diversas mensagens, mas a mensagem deve ser disseminada pela liderança da companhia. O departamento jurídico interno pode ser um aliado fundamental nesse esforço. Mas, para que isso aconteça, os advogados internos de empresas devem fornecer não somente opinião legal precisa e representação e defesa jurídica efetivas, mas também suporte e aconselhamento proativos em temas de ética e integridade. Em dois contextos e culturas diferentes, as experiências tanto dos Estados Unidos quanto do Brasil deixam isso claro.
fonte: Jota