Segundo estudo do IPEA, em apenas cerca de 10% das execuções fiscais os executados apresentam defesa. Na obra The cost of Rights, Cass Sunstein e Stephen Holmes desmistificam a ideia de que direitos como liberdade e propriedade não gerariam custos, mas apenas abstenção estatal. Para os autores todos os direitos são positivos e envolvem escolhas de alocação de recursos públicos:
“Não há direito sem o remédio jurídico correspondente. […] Sai caro garantir os direitos de propriedade […] um ônus pelo menos tão grande quanto o dos nossos imensos programas de redistribuição de recursos”. [1]
A lembrança desse primoroso estudo é fundamental para refletirmos sobre a eficiência e economicidade das execuções fiscais.
Em estudo do IPEA, datado de novembro de 2011, sobre as execuções fiscais federais concluiu-se que:
“O custo unitário médio total de uma ação de execução fiscal promovida pela PGFN junto à Justiça Federal é de R$ 5.606,67. O tempo médio total de tramitação é de 9 anos, 9 meses e 16 dias, e a probabilidade de obter-se a recuperação integral do crédito é de 25,8%. […] pode-se afirmar que o breaking even point, o ponto a partir do qual é economicamente justificável promover-se judicialmente o executivo fiscal é de R$ 21.731,45.”[2]
Se adotarmos esse valor médio, sem atualização, e considerarmos que hoje existem no Brasil mais de 30 milhões de execuções fiscais, temos que a simples manutenção do sistema judiciário para operar esse meio de cobrança custou ao Erário a quantia de 150 bilhões de reais, sem contar o que custa o Executivo.
Mas esse é apenas o custo direto para acessar o Judiciário. Acontece que esse sistema tem uma taxa de congestionamento de cerca de 87%, conforme o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2020, e só consegue julgar uma ínfima parte daquilo que é ajuizado. Assim, gastamos toda essa quantia para recuperar apenas uma parcela irrisória dos montantes que estão sendo cobrados via execução fiscal. A maioria esmagadora terá como destino certo a prescrição intercorrente e o desperdício do dinheiro público, como comprova o mencionado estudo do IPEA.
A prescrição desses créditos exequendos tende a ser cada vez maior, haja vista o precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de 2018, o RESp 1.340.553, que entendeu que os prazos de prescrição intercorrente do art. 40 da Lei 6.830/80 iniciam-se automaticamente após a primeira citação ou penhora de bens frustradas.
Para se entender a ineficiência da execução fiscal como meio de cobrança é preciso fazer um diagnóstico da composição da Dívida Ativa. Foi o que fez a Procuradoria-Geral do Distrito Federal. O Distrito Federal tem atualmente uma Dívida Ativa de mais de 33 bilhões de reais, incluídos créditos não tributários e tributários de índole municipal e estadual.
Ocorre que todo esse montante era executado em uma única Vara de Execuções Fiscais, com aproximadamente 320 mil processos e 4 ou 5 juízes. Basta uma conta simples para perceber que a chance de um devedor ser efetivamente cobrado com execução fiscal no DF é ínfima. Isso vinha incentivando a prática de grandes contribuintes de ICMS a usarem a tática do declarar e não pagar de forma contumaz ou mesmo usar esquemas de fraude elaborados com laranjas e empresas fantasmas, já que a chance de impunidade conta com uma probabilidade altamente favorável.
Trata-se de uma análise de custo-benefício da chance de ser punido ou não. Sobre essa análise já há estudos que demonstram que, no ambiente institucional brasileiro, economicamente compensa mais sonegar todo o tributo, mesmo que haja punição com multa agravada, do que pagá-lo em dia[3].
Assim, a PGDF encaminhou um pedido para o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, para criação de uma nova Vara de Execuções Fiscais exclusiva de ICMS, em que demonstrou que 71,74% do valor executado, o equivalente a 25 bilhões de reais, eram referentes à cobrança de ICMS, mas que esse valor correspondia a 8,73% dos processos da Vara, algo próximo a 28.000 processos.
Por outro lado, todos os demais créditos executados somavam algo próximo de R$ 10 bilhões de reais, o que equivale a R$ 28,26% do valor executado, mas correspondiam ao volume de 91,72% dos processos, ou seja, mais de 293.000 processos. O pedido foi acatado pelo TJDFT em dezembro de 2020.
Fica evidente que a estratégia e a análise para recuperar os créditos de grandes devedores de ICMS, que muitas vezes envolvem fraudes e grandes grupos econômicos, exigem tempo de estudo e dedicação por parte dos Procuradores e dos juízes. Não se equipara à cobrança dos créditos de pequeno valor, cuja grande dificuldade se resume a achar o endereço atualizado dos devedores, conseguir citá-los, achar bens passíveis de penhora e aliená-los para saldar o crédito.
Segundo estudo do IPEA em apenas cerca de 10% das execuções fiscais os executados apresentam defesa e “a taxa de sucesso do devedor nas objeções de pre-executividade é de 8,2%, enquanto nos embargos é de 14,3%.”[4]
Esses números demonstram que não se justifica a judicialização de toda cobrança da Dívida Ativa. Ainda que se proceda à cobrança administrativa e haja objeção por parte dos contribuintes acessando o Judiciário, naquilo que efetivamente demanda discussão jurídica, tal procedimento seria mais econômico e mais efetivo para o Estado e para os contribuintes, que teriam seus processos julgados a tempo.
Por fim, considerando a importância da tributação sobre o consumo nas finanças públicas e o alto índice de evasão/inadimplência é preciso incluir na pauta da reforma tributária um novo modelo de cobrança e fiscalização dos tributos indiretos, adaptado ao modo como os negócios têm sido feitos na era digital, com práticas de retenção no momento do consumo, a exemplo do que está sendo estudado no mundo com o Real Time VAT e o VAT Split Payment[5]. São medidas que aumentam a eficiência arrecadatória, evitam fraudes de crédito, reduzem o custo de fiscalização estatal e o tempo de conformidade despendido pelas empresas.
[1] HOLMES, Stephen e SUNSTEIN, Cass R. O custo dos direitos, por que a liberdade depende dos impostos, tradução de Marcelo Brandão Cipolla, 1ª Edição, 2019, Martins Fontes, São Paulo, fls. 37, 38 e 56
[2] https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf
[3] MENDES, Hugo Plutarco, A Sonegação e a Litigância Tributária como Forma de Financiamento, EALR, V. 3, nº 1, p. 122-147, Jan-Jun, 2012
[4] https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/111230_notatecnicadiest1.pdf
[5] GRYZIAK, Bartosz, European Union – Split Payment across the European Union – Review and Analysis Vol. 31 Issue: International VAT Monitor, 2020 (Volume 31), No. 1 Published online: 8 January 2020
Fonte: JOTA por LUCIANA MARQUES VIEIRA DA SILVA OLIVEIRA