O que é bom para os consumidores quando os escutamos
Com base em uma premissa recomendada pelos guias da OCDE de atuação em política pública baseada em evidências, a Senacon contratou em 2019, via o Programa das Nações Unidas (PNUD) ligado a ONU, uma consultoria para mapear o funcionamento do Sistema de Atendimento aos Clientes ou Consumidores (SAC) das empresas no Brasil.
Para o campo da defesa do consumidor foi uma mudança de paradigma, dado ser uma área ainda muito dominada pelo discurso ideológico-político. Quem é versado em pesquisa empírica, sabe que, por vezes, os achados da ciência – que deve ser dominada por aquilo que em neurociência e psicologia comportamental se convencionou chamar de “sistema cerebral devagar” ou 2 – são contra intuitivos; acabam, nessas situações, justamente confrontando as convicções ideológicas ou “verdades” de “sistema cerebral rápido” ou sistema 1.
Pois quais foram os achados dessa pesquisa empírica que se valeu de métodos quantitativos e qualitativos amplamente respaldados pela ciência:
Que a percepção generalizada (mas não compartilhada pelas empresas) de que SACs não funcionam, ou seja, que não resolvem os problemas dos consumidores, corresponde à realidade;
Que a ineficiência do SAC acaba desrespeitando direitos dos consumidores e provocando judicialização de conflitos;
Que SACs devem evoluir para se valer de outras formas de tecnologia hoje disponíveis para relacionamento com consumidores (adoção de ferramentas multicanais);
Que a tecnologia contribui para uma maior resolutividade de problemas;
Que o escopo para um SAC efetivo seria o foco na avaliação a resolutibilidade dos SACs, como que abrindo sua “Caixa preta”, criando-se formas de sua escrutinização.
Em adição, durante a pandemia, os SACs foram colocados a prova e se saíram mal, segundo dados levantados pela Secretaria Nacional do Consumidor (ligada ao Ministério da Justiça). Com efeito, o número de reclamações ao SAC aumentou mais de 60%.
Em paralelo, dados do Instituto Locomotiva dão conta de que “vivemos 5 anos em 5 meses”, nas palavras do seu presidente, Renato Meirelles, dada a intensificação do uso da internet e intensidade de utilização do comércio eletrônico, inclusive em extratos sociais menos favorecidos.
Em matéria do Valor Econômico, constatou-se que “a compra pela internet via aplicativos cresceu mais de 30% no primeiro mês de isolamento social, com crescimentos mais expressivos em dois grandes mercados consumidores: o das pessoas com mais de 50 anos e o das classes C, D e E”.[1]
Por tudo isso, a Senacon encarregou o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC), entidade que congrega entidades civis de defesa do consumidor, entidades empresariais, representantes de vários órgãos e níveis de governo (inclusive procons) e agências reguladoras, para formular sugestões de mudança da legislação do SAC, concebida ainda em época pré-boom da internet e do comércio eletrônico.
O CNDC criou uma Comissão Especial do SAC para discutir o assunto e propor sugestões ao próprio Conselho e esse, por sua vez, como espaço institucional de diálogo, deliberará sobre melhores caminhos para os consumidores e dará os encaminhamentos, com plena liberdade decisória, acerca da política pública mais eficiente para sociedade brasileira.
No CNDC cada membro tem um voto, como é próprio do espaço democrático. A Senacon só tem um voto, enquanto os procons estaduais e municipal têm 4 votos; entidades civis e empresariais também tem um voto cada, o mesmo valendo para as agências reguladoras e para o representante da academia.
A única urgência, se é que é há, é ter um SAC resolutivo que dê conta dos problemas dos consumidores e que isso ocorra antes de uma eventual (e ainda pouco provável no Brasil) “segunda onda” do Covid-19, sem a necessidade de uma judicialização.
A bem da verdade, quando deixamos consumidores falarem, sem intermediação, o que pedem são diversidade de produtos, melhor qualidade, menor preço e com transparência e informação; e, que eventuais dissabores no processo de consumo, sejam resolvidos rapidamente pelas empresas sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para tanto.
O resto, como diria Shakespeare, é silêncio.
Fonte: JOTA