Tributaristas e a indústria temem que as propostas de reforma tributária abram margem para aumentar a tributação. Setores econômicos, em especial aqueles ligados à indústria nacional, e tributaristas ouvidos pelo JOTA mostram-se preocupados com as discussões sobre como funcionará o imposto seletivo em uma eventual reforma tributária no Brasil.
Na análise desses grupos, as principais propostas trazem limitações, seja porque são amplas e podem abrir um extenso leque de setores passíveis de serem tributados, seja porque as proposições tributam elementos que não são típicos da seletividade.
Embora apareça com diferentes nomes nas principais propostas de reforma tributária no país, a existência de um imposto seletivo é um dos pontos de convergência tanto nas proposições legislativas quanto nos dizeres do Executivo. Nas propostas, o imposto seletivo virá junto com o imposto único sobre o consumo a ser instituído, seja no modelo da união de tributos federais, seja no modelo mais amplo, que inclui tributos federais, estaduais e municipais.
O ministro da economia Paulo Guedes costuma chamá-lo de “imposto do pecado”, mas há técnicos e parlamentares que se referem a ele como “excise tax”, em referência ao termo internacional. Mesmo com nomenclaturas diferentes a ideia é similar: tributar mais os produtos com externalidades negativas, ou seja, aqueles que o governo pretende desestimular o consumo.
Os exemplos clássicos de produtos suscetíveis à tributação seletiva são o álcool, o cigarro e os combustíveis fósseis. No entanto, declarações de membros do Ministério da Economia e o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 110/2019) provocaram reações em setores que passarão a ter alíquotas diferenciadas caso as propostas de reforma sejam aprovadas.
Um deles seria o de bebidas açucaradas, como, por exemplo, os refrigerantes. Apesar de o Executivo ainda não ter formalizado uma proposta, membros do ministério, como a assessora especial Vanessa Canado, já declararam o interesse do governo de tributar esses produtos.
A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não-Alcoólicas (ABIR) se manifestou em nota e disse que “imposto não fabrica saúde”. Para a Abir, a criação de tributos ou taxas específicas incidentes exclusivamente sobre um setor é “ineficaz e discriminatória”. Segundo a nota, “não são as bebidas açucaradas que estão a aumentar os índices de obesidade no país”.
A associação se justifica com dados do Ministério da Saúde que apontou aumento de 72% no índice de obesidade entre 2006 e 2019. “Na contramão desses dados, a frequência do consumo regular de refrigerantes e bebidas açucaradas caiu 51,5% de 2007 a 2019. Ou seja, não existe correlação direta entre consumo de refrigerantes e obesidade, uma doença multifatorial”.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem sendo enfática em defender que o imposto seletivo não deve incidir em produtos que façam parte da cadeia produtiva da indústria nacional sobre o risco de inviabilizar a produção fabril. No texto original da PEC 110 há previsão que o imposto seletivo incida sobre petróleo e derivados, combustíveis e lubrificantes, cigarros, energia elétrica e serviços de telecomunicações.
Quando o senador Roberto Rocha (PSDB-MA) estava na relatoria da PEC 110 no Senado, ele retirou as descrições de produtos e serviços e deixou para uma lei complementar a regulamentação do tributo. Porém, com a reforma tributária na comissão mista, a decisão cabe agora ao relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
“A CNI entende que o imposto seletivo deve existir porque os países com sistemas tributários que a gente quer aproximar o Brasil têm essa figura. No entanto, o [imposto] seletivo não deve incidir de forma alguma em insumos da cadeia produtiva”, afirma Mário Sérgio Telles, gerente de Políticas Fiscal e Tributária da CNI.
Telles também defende que não incida a alíquota diferenciada sobre a indústria alimentícia. “É uma discussão complicada tributar açúcar, sódio… O ideal é que o seletivo ficasse sobre esses bens mais típicos que provocam danos à saúde, como álcool e o cigarro”.
Na análise de Ana Monguilod, professora de Direito Tributário do Insper e diretora da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), a forma como o imposto seletivo é tratado nas propostas de reforma tributária brasileira inspira cuidados. Ela enfatiza que o imposto seletivo não pode ter caráter arrecadatório e que as escolhas dos produtos a serem tributados devem ser feitas a partir de estudos que provem as externalidades negativas que eles proporcionam.
“Um dos dilemas das propostas com o imposto seletivo é sobre o que ele vai incidir. Na PEC 45, a matriz está bem ampla, diz que o imposto tem finalidade extrafiscal e tem como objetivo desestimular o consumo de determinados bens. Quando você fala que quer desestimular o consumo de determinados bens e serviços está amplo, não dá para saber muito bem o que dá para ser inserido”, explica. “Na PEC 110 veio amarrado, no entanto, imposto seletivo sobre telecom e energia elétrica não é extrafiscal, é para arrecadar”, complementa.
Tributação e liberdades individuais
Especialistas ouvidos pelo JOTA indicam que o imposto seletivo deve aparecer em qualquer reforma tributária que o país fizer. Países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) usam a sistemática, e segundo dados da própria entidade, o tributo corresponde, na média entre os países, a cerca de 2,6% do Produto Interno Bruto (PIB) e 7,8% do valor arrecadado em tributos. No México, em 2016, o imposto seletivo correspondeu a 12,6% do total da arrecadação. Na Inglaterra a taxa foi de 7,4% e nos Estados Unidos, 3,3%.
No Brasil, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e as Contribuições Sobre o Domínio Econômico (Cides) fazem o papel da seletividade, mas, segundo os especialistas, não há um imposto seletivo único nos moldes previstos nas propostas de reforma.
Para Breno Vasconcelos, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, é preciso delimitar o que o Brasil vai entender como externalidade negativa, de modo que o uso do imposto seletivo não se transforme em um inibidor de liberdades individuais.
“É preciso tomar um pouco de cuidado sobre o que o Brasil vai entender como externalidade negativa. Me preocupa esse excesso de intervenção do estado nas decisões de consumo”, explica Vasconcelos. “Se o Brasil está tentando limpar o sistema para ter um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) mais padronizado possível para evitar distorções alocativas, a gente tem que ir com muita parcimônia na definição de quais serão os produtos e quais serão as alíquotas do excise tax no Brasil”, complementa.
O presidente da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), Marcelino Rodrigues, também acredita que as propostas sobre o imposto seletivo precisam estar melhor explicadas para evitar distorções futuras. “O problema é que as propostas do governo e do legislativo estão confusas. A gente fica confuso sobre o real objetivo.”
Fonte: JOTA por Flávia Maia