Conforme o dito popular: quem usa, cuida; e quem guarda, tem. De certo modo, a sabedoria popular coincide com o princípio da realidade, enunciado por Sigmund Freud, que se caracteriza pelo adiamento da recompensa, opondo-se ao princípio do prazer que, por sua vez, conduz o indivíduo a buscar o prazer imediato, sem preocupar-se com o dia seguinte.
O respeito ao princípio de realidade consiste em dar conta das exigências do mundo real, escasso de bens, repleto de necessidades e que impõe uma forçosa luta pela sobrevivência. Portanto, proteger os bens que se conquista ao longo da vida, até para que deles se possa retirar o sustento no futuro, é fundamental e até mesmo instintivo.
A questão torna-se ainda mais importante na medida em que pessoas – por não serem uma ilha – em certo momento da vida decidem unirem-se a outra pessoa, tornando a questão da proteção do patrimônio que será constituído, aumentado ou consolidado, ainda mais complexa. Afinal, bens e dívidas, atuais e futuros, serão compartilhados? Responderão por (todas e quaisquer) dívidas e obrigações de ambos? Quais deles estarão sujeitos à partilha em eventual divórcio? Quais deles estarão imunes e não poderão serem atingidos, garantindo assim proteção e tranquilidade no futuro?
A verdade é que, de modo geral, não há uma preocupação das pessoas em estabelecer de forma clara, antecedente e preventiva, quais serão as regras a serem observadas quanto ao patrimônio que será adquirido por um(a) ou outro(a) durante a convivência, nem mesmo o estabelecimento de medidas protetivas que, no futuro, poderão literalmente salvar e garantir a sobrevivência do casal. Ou seja, as respostas à maioria das questões levantadas linhas atrás não são de conhecimento do casal, submetendo-os à desconfortável e angustiante situação de incerteza.
Vale lembrar que a legislação brasileira, em se tratando de efeitos patrimoniais do casamento, disciplina quatro regimes distintos: comunhão universal; comunhão parcial (regime legal caso não haja opção pelos outros); separação absoluta, e participação final nos aquestos. Quanto à separação absoluta, poderá ela ser convencional (por vontade das partes); ou obrigatória, nas situações marcadas na lei, dentre as quais, aquela que aqui mais interessa, quando algum dos(as) nubentes tiveram mais de 70 anos.
Ao lado do casamento, a união estável, seja ela declarada ou não por escritura pública, também impõe efeitos jurídicos às relações patrimoniais do casal, obedecendo as regras do regime da comunhão parcial de bens caso outro não tenha sido definido, de forma escrita, pelas partes.
Embora aparentemente desnecessário, uma vez que nos encontramos ao final da segunda década do século XXI, importante reforçar que pessoas do mesmo sexo poderão unir-se estavelmente, assim como ver seu casamento civil celebrado segundo as leis brasileiras, haja vista o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal a partir do julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, e também da Resolução nº 175, de 14/05/2013,do Conselho Nacional de Justiça.
Enfim, o fato é que a análise e definição consciente das regras patrimoniais do casamento e/ou união estável, que se dará sempre pelo exercício da opção que melhor se adeque à realidade do casal, é o primeiro grande pilar de qualquer estratégia de proteção patrimonial, muito mais quando um dos indivíduos se torna empreendedor(a) ou empresário(a), que é condição cujo controle dos riscos é extremamente difícil, podendo agravar os riscos ao patrimônio comum ou mesmo do(a) outro(a).
A propósito do tema, interessante mencionar decisão proferida em execução fiscal que tramitou na Justiça Federal do Rio Grande do Sul, (Processo Nº 00081761820118210132-RS),proposta contra devedor casado pelo regime de comunhão parcial de bens e que, após a citação, não pagou a dívida, tampouco ofereceu bens para garanti-la. A Procuradoria, então, pediu para que se rastreasse, via Bacenjud, eventuais bens em nome da esposa, bloqueando-se 50% daqueles que fossem encontrados, o que foi deferido por unanimidade pela 3ª Turma do Tribunal Federal da 4ª Região.
O caso prático ilustra de modo claro e induvidoso a necessidade de se estabelecer o melhor controle e resguardo possíveis do patrimônio, tanto mais quando os riscos de eventual atividade empresarial são incontroláveis. A pandemia da Covid-19 é exemplo disso.
Como em qualquer planejamento, contudo, o objetivo de uma estratégia de proteção patrimonial, eficiente e eficaz, será sempre evitar os danos e não corrigi-los ou debela-los. Daí a vital importância do sentido preventivo dele.