Desconsideração expansiva da personalidade jurídica da empresa: o começo do fim do esconde-esconde empresarial. Há décadas, o Brasil construiu uma reputação de ser um refúgio para aqueles que desejam evitar obrigações financeiras. Ser devedor e não honrar compromissos, surpreendentemente, parecia mais regra do que exceção.
No entanto, a convergência entre Direito e Economia sinaliza que o cenário pode estar se transformando.
Em recente e emblemático julgamento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe à tona uma questão que desafia a compreensão tradicional do universo empresarial: quem, de fato, está por trás das decisões em uma empresa e, por consequência, se beneficia dela? A figura do "sócio oculto" ganha novos contornos.
Comecemos pelo básico. A Sociedade em Conta de Participação (SCP), delineada pelos arts. 991 a 996 do Código Civil, contempla um cenário onde um sócio opera nas sombras, sem visibilidade perante terceiros. É um modelo consagrado e largamente utilizado, inclusive, para projetos de investimento em empresas, ao lado do mútuo conversível em ações.
Mas o caso julgado pelo STJ (REsp nº 2055325/MG) escava mais fundo, desenterrando uma figura paralela e que não se confunde com o sócio-oculto (também chamado sócio-participante nas SCP’s): terceiros que, ausentes formalmente, operam como se sócios fossem, influenciando, decidindo e, sim, beneficiando-se dos negócios.
O mecanismo jurídico que serviu de bússola para a Corte é o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) que, em sua essência, é uma ferramenta que busca alcançar diretamente os sócios, ao permitir que responsabilidades de uma empresa se estendam àqueles quando há abuso da personalidade jurídica da empresa ou confusão entre o patrimônio dela e deles. É um instrumento de efetividade da execução.
O recente entendimento do STJ, contudo, amplia a compreensão sobre este instrumento. Em um universo empresarial onde estratégias de proteção patrimonial são, muitas vezes, meticulosamente arquitetadas, a possibilidade de a Justiça penetrar estas barreiras e alcançar o "sócio oculto" adiciona um novo elemento ao campo das estratégias de proteção patrimonial, forçando uma revisão delas.
Como em outras decisões recentes, inclusive do STF, essa abordagem foi fortemente influenciada pelo emergente campo da Análise Econômica do Direito (AED).
Em um mundo onde o número de execuções sem solução dispara, a jurisprudência mostra-se mais consequencialista, ponderando os efeitos econômicos das decisões judiciais e sua influência no comportamento dos agentes econômicos.
A AED não é apenas uma moda passageira, é uma abordagem que reconhece que as leis e decisões jurídicas moldam, de maneira substancial, o comportamento econômico. Ao ponderar os custos e benefícios de diferentes soluções jurídicas, a análise econômica busca um sistema jurídico que maximize o bem-estar social.
Assim, essa tendência se traduz em um reconhecimento mais agudo da realidade: um sistema jurídico que efetivamente protege as relações de crédito fortalece a confiança entre as partes. Esta confiança é o alicerce do desenvolvimento econômico, pois promove uma atmosfera onde os negócios florescem, oportunidades de emprego são geradas e a produção de bens e serviços se expande.
Ao trazer a lente econômica para a análise do "sócio oculto", o tribunal promove uma visão mais equilibrada e contextualizada, levando em consideração não apenas a proteção dos direitos fundamentais, mas também a efetividade da execução por dívidas e a sustentabilidade econômica a longo prazo.
Para quem opera nas sombras, este é um momento de cautela e reavaliação. As muralhas de contenção antes vistas como intransponíveis agora têm seus portões escancarados pela Justiça. É hora de rever estratégias e repensar ações e condutas no âmbito da proteção patrimonial.
Por outro lado, para os credores e empresários determinados a alcançar a Justiça, um novo amanhecer se descortina, repleto de esperança e possibilidades. Basta atirar com precisão e conhecimento.
O dinamismo do direito empresarial exige constante atualização e um profundo entendimento das evoluções jurídicas.
Afinal, em um mundo de rápidas transformações, o conhecimento profundo não é apenas poder - é essencial.
Eduardo Pires
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