A precarização das relações de trabalho e a (necessária) contrarreforma da legislação trabalhista

A precarização das relações de trabalho e a (necessária) contrarreforma da legislação trabalhista

A reforma na legislação trabalhista brasileira pela Lei 13.467/2017, durante o governo de Michel Temer (MDB), reduziu obrigações trabalhistas de empresários e, à época, prometeu gerar 6 milhões de empregos.

Passados cinco anos, a reforma praticamente não baixou o nível do desemprego no país de modo impactante, uma vez que a taxa de desocupação no trimestre de junho a agosto de 2022 tenha caído a 8,9%, segundo dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) divulgados hoje pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o que representa 9,7 milhões de pessoas.

É o menor patamar desde o trimestre encerrado em julho de 2015, quando foi de 8,7%. Ou seja, da reforma de 2017.

Em sentido oposto, o número de trabalhadores informais explodiu: pessoas sem carteira assinada no setor privado são 13,2 milhões, o maior da série histórica iniciada em 2012. De acordo com o IBGE, 355 mil pessoas entraram nessa modalidade no trimestre, e 1,8 milhão no ano.

No mesmo período, trabalhadores informais compuseram 39,7% da força de trabalho no país. Estão incluídos nesse grupo trabalhadores sem registro, empregadores por conta própria sem CNPJ, além de trabalhadores familiares auxiliares.

Também entre os informais é que estão alocados os trabalhadores ditos “uberizados” em alusão àqueles que se dedicam às novas formas de trabalho por meio de plataformas digitais como Rappi, iFood, Uber e tantos outros.

Em geral a todos eles, a completa ausência de qualquer direito ou garantia da legislação trabalhista, assim como a completa desassistência e amparo do Estado.

De uma forma geral, o trabalhador hoje trabalha mais para ganhar menos. Trabalha mais horas por dia por dia para ganhar menos, uma vez que a qualidade dos empregos a disposição caiu demais, gerando o que a doutrina vem chamando de precarização das relações de trabalho.

Na contramão da tolerância dessas “novas formas de trabalho”, a 13ª Vara do Trabalho de Fortaleza reconheceu o vínculo de emprego de um entregador que trabalhava para o iFood.

Na sentença, publicada em dezembro, reconheceu-se a existência dos requisitos que caracterizam o vínculo empregatício na modalidade de trabalho intermitente, caracterizado por uma prestação de serviço não contínua, na qual se alternam períodos de atividade e inatividade.
 
O juiz declarou que a modalidade de rescisão do contrato de trabalho foi sem justa causa, julgando procedentes os pedidos de pagamento das verbas rescisórias correspondentes: aviso-prévio indenizado, férias mais 1/3 de todo o período, 13º salário, FGTS mais 40% e indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. O valor total da condenação foi arbitrado em R$ 20 mil.

A costumeira tese do iFood de que seria ele mera intermediador da relação jurídica entre o cliente (restaurantes, bares e outras empresas que fornecem alimentos) e o consumidor final, na qual os alimentos seriam entregues pelos prestadores de serviço explorando a atividade conhecida como economia compartilhada, foi rechaçada.

Segundo o juiz, trata-se de uma nova forma de exploração de mão de obra, em que o suposto prestador de serviço, no caso o entregador, não tem nenhum benefício e não possui liberdade contratual para pactuar com autonomia. Em regra, os trabalhadores são subordinados como outro qualquer, e submetidos aos direcionamentos da empresa digital, cuja atividade econômica é gerida pelo algoritmo do aplicativo.

A sentença trouxe como fundamento uma pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia, que concluiu que trabalhadores que têm na entrega por aplicativos a única ocupação de trabalho possuem jornada semanal em média de 64,5 horas ou 10 horas e 24 minutos por dia. Em média, atuam 6,16 dias por semana, sendo que 40% deles trabalham todos os dias. Para 70% deles, esse é seu único trabalho. Os demais têm mais de um serviço, sendo a entrega a ocupação principal ou subsidiária.

Outro dado relevante encontrado por esse levantamento é que 51,7% recebem, por hora, menos do que o equivalente a um salário mínimo. A situação é ainda pior quando avaliados os ciclistas isoladamente, que ao final de um mês de trabalho, com jornada média de mais de 57 horas semanais, conseguem apenas R$ 932 brutos e R$ 701 líquidos.

“Esses dados demonstram a absoluta precarização dessa relação de trabalho, onde a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras vivem integralmente dessa atividade, dedicam muitas horas diárias ao trabalho em favor das plataformas digitais/aplicativos, e por outro lado, não têm direitos trabalhistas basilares respeitados (salário mínimo, jornada de trabalho constitucional, férias, 13º salário etc.), e muitos nem sequer a mínima proteção social previdenciária”, demonstrou o magistrado.

A melhora dos índices de desenvolvimento humano (IDH) e, por consequência, da melhora da qualidade de vida da sociedade, necessariamente passa pela existência de um conjunto de regras protetivas mínimas ao trabalhador, em especial nos extratos mais basilares da pirâmide.

Embora haja uma certa resistência por parte do empresariado, a maioria sabe que uma classe trabalhadora empobrecida e desqualificada pouco contribuirá para a aferição dos resultados desejados.

Que a propalada contrarreforma trabalhista venha para recolocar as relações de trabalho no eixo, e que possam serem elas a verdadeira força motriz de uma econômica pujante e promissora.

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