A modificação do regime de bens do casamento, quando justificada e não prejudicial a terceiros, é importante ferramenta no planejamento patrimonial.

A modificação do regime de bens do casamento, quando justificada e não prejudicial a terceiros, é importante ferramenta no planejamento patrimonial.

O casamento, sem dúvidas, é um dos momentos mais importantes da vida de uma pessoa, especialmente pelos efeitos jurídicos patrimoniais que dele decorrem, por efeito da escolha do regime de bens em que vigerá o mesmo: comunhão parcial, comunhão universal, participação final dos aquestos e separação de bens. Conquanto a opção pelos regimes previstos seja feita no momento da celebração, poderá ela ser alterada durante a constância do matrimônio, conforme estabelecido no Código Civil de 2002. 

A alteração do regime de bens depende da comprovação, em juízo, dos motivos que justificam o pedido, ressalvando-se eventuais direitos de terceiros. Entretanto, a jurisprudência atual sobre o tema tem sido cada vez mais flexível quanto à comprovação de tais motivos, possibilitando aos cônjuges, inclusive, valer-se da modificação do regime de bens como ferramenta de planejamento patrimonial adequada às suas condições de momento. 

Nesse sentido, não é incomum que o casal se case sobre uma circunstância e sobre uma determinada mentalidade econômico-financeira que, com o passar do tempo, seja alterada até mesmo por um sendo de proteção patrimonial que não existia no início da relação, possivelmente porque, naquele momento, não havia patrimônio algum a proteger, tendo-se em conta que o natural é que a formação do patrimônio se dê ao longo da vida conjugal, em geral passados muitos anos do início dela.

Considerando que atualmente ambos os cônjuges trabalham e geram renda, por muitas vezes lançando-se a riscos cujo controle nem sempre é fácil, como nas operações de mercado financeiro e mesmo em empreendimentos empresariais, faz todo sentido que as partes busquem alterar o regime de bens, migrando de um regime de comunhão para o de separação, até para que se preserve, quanto possível, o patrimônio de um em relação aos riscos sofridos pelo outro. 

Sob essa ótica, recente decisão do STJ, no Recurso Especial nº 1.904.498-SP, reconheceu que a modificação do regime de bens não exige "justificativas ou provas exageradas". A apresentação da relação pormenorizada do acervo patrimonial do casal, portanto, não é requisito essencial para deferimento do pedido de alteração do regime de bens.

O caso, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, tratava da possibilidade de modificação do regime de bens escolhido pelo casal, já autorizada pelo artigo 1.639, § 2º, do Código Civil de 2002. Segundo a jurisprudência da Corte, o pedido pode ser atendido ainda que o casamento tenha sido celebrado na vigência do Código Civil anterior.

Para tanto, a norma estabelece que os cônjuges devem formular pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, resguardados os direitos de terceiros. Por outro lado, segundo os ministros, não é preciso exigir "justificativas ou provas exageradas", sobretudo porque a decisão que concede a modificação do regime de bens opera efeitos somente a partir dela, e não retroativos.

"Na sociedade conjugal contemporânea, estruturada de acordo com os ditames assentados na Constituição de 1988, devem ser observados – seja por particulares, seja pela coletividade, seja pelo Estado – os limites impostos para garantia da dignidade da pessoa humana, dos quais decorrem a proteção da vida privada e da intimidade", destaca o acórdão.

Com a justificativa plausível para a pretensão de mudança de regime de bens, a apresentação de documentos necessários, a ausência de verificação de indícios de prejuízos aos consortes ou a terceiros e a necessidade de preservação da intimidade e da vida privada, "revela-se despicienda a juntada da relação pormenorizada de seus bens", nos termos do acórdão.

Enfim, ainda que pareça razoável que a modificação do regime de bens, assim como seu estabelecimento inicial, ocorresse por mera declaração das partes perante o cartório de registro civil, ao qual caberia dar ao ato a devida publicidade, o que ainda não é possível dada a necessidade da mudança de regime depender de processo judicial, de outro lado, é de se comemorar a preocupação em não se dificultar, muito menos tolher dos cônjuges, a liberdade na escolha da melhor forma de condução da vida em comum.

Por Eduardo Pires

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