De volta aos anos 90: Gordon Gekko parece atual em 2.021

De volta aos anos 90: Gordon Gekko parece atual em 2.021

 

Quem já assistiu ao filme “Wall Street - poder e cobiça”, de 1987, vai se lembrar de Gordon Gekko, interpretado pelo ator Michael Douglas, famoso pela frase “Greed is good”. O enredo retrata muito bem a ideia predominante do capitalismo praticado na época dos anos 80 e 90: investidores ricos e inescrupulosos que buscam os resultados a qualquer custo.

Apesar de Gekko ser uma pessoa repugnante e sem moralidade, Bud Fox, jovem corretor da bolsa, o admirava e desejava trabalhar com ele. Isso só foi possível quando Fox forneceu informações privilegiadas sobre a empresa onde seu próprio pai trabalhava. Só que Gekko não era totalmente fictício, mas uma inspiração em investidores reais, como Michael Milken e Ivan Boesky. Mais do que isso, era um símbolo de anti-herói, idealizado por muitas pessoas na vida real. Sua lógica era a de buscar vantagens financeiras acima de tudo, passando por cima de princípios para realizar qualquer tipo de transação que fosse benéfica aos acionistas controladores, em detrimento dos acionistas minoritários.

E o que isso tudo tem a ver com o Brasil? A semelhança dessa política com o avanço cada vez maior da governança corporativa. A segunda metade dos anos 90 foi preenchida de episódios relacionados ao fechamento de capital e alienação de controle, em que minoritários não foram apenas prejudicados, mas também desamparados por um sistema jurídico frágil e sem interferência do regulador. Isso culminaria na necessidade de autorregulação, criando-se um Novo Mercado pela B3 (na época, a Bovespa), que colocaria as melhores práticas de governança corporativa nas organizações.

Porém, ao contrário do que se imaginava, ocorreu o oposto: os maiores escândalos de governança corporativa começaram a surgir em empresas pertencentes a esse Novo Mercado, como a JBS e as empresas de Eike Batista. A razão disso? O fato de que os princípios de boa governança não são itens colocados em uma lista. Essa compreensão é errônea, pois a prática da boa governança está mais ligada à cultura e ética corporativas. Os investidores passaram a enaltecer esse segmento de forma equivocada, como se as empresas fossem exemplo de bons princípios só por supostamente seguirem algumas recomendações.


No mês passado, inclusive, Eike Batista foi condenado pela justiça do Rio de Janeiro à pena de 6 anos e 8 meses pelo crimes de Uso Indevido de Informação Privilegiada, conhecido com Insider Trading, além de multa de quase 409 milhões, e, ainda, outra condenação na mesma sentença da 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro a outros 5 anos de reclusão por manipulação de mercado. A multa imposta por esse segundo crime foi de pouco mais de 462 milhões de reais.

As condenações estão ligadas a operações com a OGX, empresa de petróleo e gás do conglomerado EBX, do empresário. Eike foi acusado de divulgar comunicados e publicar tuítes com dados imprecisos, inverídicos e irreais para estimular a compra de ações e a valorização dos papéis. Eike teria ganhado milhões com a venda dos papéis inflados essas manobras. As decisões ainda não são definitivas.

Segundo a juíza Rosália Monteiro Figueira:

"É lamentável que o acusado - homem de negócios internacionalmente reconhecido - se utilize de um expediente dessa espécie, inescrupuloso, e não tenha sensibilidade na direção de uma companhia, causando turbulência no mercado de capitais".

Surgem, então, duas reflexões bem importantes: a primeira, sobre o retorno desses problemas de forma frequente; o segundo, como o poder regulador pune tais atos. A eventual existência de um regulador forte inibiria vontades de controladores ou executivos com agendas paralelas, o que já explica uma das razões para esse conflito.

A verdade é que o fiscalizador tem se mostrado, no Brasil, tímido na função punitiva, além de haver falta de celeridade em alguns casos, como no da Oi, que incorporou em 2014 cerca de R$ 6 bilhões de suas dívidas na empresa, decisão que virou processo e está em decisão até hoje. Resta ao Judiciário, portanto, resolver tais questões, embora a falta de estrutura e descompasso temporal das punições.

Fica, portanto, a reflexão: qual a diferença entre o comportamento do nosso Eike Batista para aquele de Gordon Gekko? Será que, de fato, “Greed is good”??

Eduardo Pires

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