Assistimos, há dois anos, os desvarios autoritários que arranharam a secular democracia norte-americana. Lá, as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo quanto à lisura das eleições não tiveram êxito.
Aqui também não tiveram e, ao que parece, não terão num futuro próximo.
O Brasil amanheceu, na última segunda, com um sentimento difuso entre as diligências para responsabilizar os organizadores e realizadores dos atos terroristas, e as reações da classe política ao mais significativo atentado à democracia brasileira desde a promulgação da Constituição.
Essa mesma Constituição chamada de “cidadã” por Ulisses Guimarães, e que foi forjada sob o signo da liberdade de expressão e manifestação, só cobra um preço: o respeito à democracia e às suas instituições.
O que seu viu no último domingo é consequência de um movimento de violência e extremismo que se tornaram a marca do que o cientista político holandês Cas Mudde chama de “quarta onda da extrema direita” e tem assolado o mundo todo desde o início dos anos 2000.
Extirpar esse mal não será fácil por aqui, assim como não tem sido em outros países. Da mesma forma, responsabilizar os celerados que invadiram os palácios em Brasília, também não o será.
A tradicional cultura de paz do Brasil não o preparou para lhe dar com situações dessa natureza. O arcabouço legal é mínimo e relativamente novo.
Seja como for, temos de nos mover de volta ao ponto do qual não deveríamos ter saído, o do respeito à lei e da convivência pacífica com as diferenças, inclusive político-ideológicas.
Inspiremo-nos em Goffredo da Silva Telles Junior quando, em 1977, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar que conclamava o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Saibamos deixar de lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Entendamos que a responsabilização de todos os envolvidos, inclusive financiadores e estimuladores, longe de se constituir em mera vendeta, é sim pedra angular de uma democracia forte e inabalável, como deve ser a brasileira.
Sem anistia, a quem quer que seja.
Eduardo Pires