Como empresas do Reino Unido lidaram com semana de quatro dias de trabalho

Empregadores relatam efeitos positivos de horas mais curtas, mas afirmam que produtividade deve ser mantida

Pouco depois de a agência de marketing digital Trio Media estabelecer de vez uma semana de trabalho de quatro dias, sua diretora executiva, Claire Daniels, notou uma queda no "esforço dos funcionários".

"Isso me mostrou que precisávamos trabalhar na produtividade", disse Daniels, cujo negócio foi um dos 61 que participaram do teste de jornada reduzida no Reino Unido, em 2022.

Gary Conroy, diretor executivo e fundador da 5 Squirrels, uma fabricante de produtos para cuidados com a pele que também participou do teste, chegou a uma conclusão semelhante. "A disciplina sempre precisa ser mantida. Qualquer pessoa vai vacilar em algum momento, e a produtividade vai cair", observou.

Esses comentários destacam alguns dos desafios enfrentados pelos empregadores que supervisionam uma semana de quatro dias no longo prazo.

Ilustração mostra calendário semanal dividido por duas imagens: a maior parte é de um escritório, o restante, uma paisagem de praia. A moça do escritório puxa a divisão do fim de semana para sexta-feira, enquanto a moça da praia empurra a divisão. O estilo de desenho é linhas pretas com cores chapadas na pintura.
Ilustração - Carolina Daffara
O teste no Reino Unido durou seis meses, até o final de 2022. Em troca do salário integral, os funcionários concordaram em entregar 100% de sua produção em 80% do tempo.

Um relatório divulgado na quarta-feira (20) pelo think tank Autonomy, que faz campanha pela semana de quatro dias, e pesquisadores da Universidade de Boston, Cambridge e Salford, faz balanço das dificuldades e dos benefícios para empregadores e funcionários um ano após o término do teste.

Descobriu-se que 54 das 61 organizações que participaram estão mantendo o padrão flexível, enquanto cinco voltaram a ter cinco dias de trabalho. Dois participantes não responderam.

A perturbação na jornada de trabalho durante a pandemia tem alimentado o interesse na semana de quatro dias.

Trabalhadores na fábrica da Lamborghini recentemente adotaram o padrão. Uma pesquisa realizada no ano passado pela campanha Four-Day Week mostrou que a maioria dos entrevistados (58%) esperava que essa se tornasse a forma normal de trabalhar no Reino Unido até 2030.

Testes foram realizados em todo o mundo. Em 2022, o governo da Bélgica concedeu aos trabalhadores o direito de condensar suas horas em quatro dias, enquanto os Emirados Árabes Unidos adotaram uma política de quatro dias e meio.

A Arup, empresa britânica de engenharia, seguiu na direção oposta, permitindo que os funcionários distribuíssem suas horas ao longo de uma semana de trabalho de sete dias.

O debate ressurgiu nos últimos meses com funcionários e sindicatos questionando a redução de horas de trabalho "como um acordo para ofertas [de salário] abaixo da inflação nas próximas negociações salariais", de acordo com Joe Ryle, diretor da campanha Four-Day Week.

MUDANÇA POSITIVA
Os defensores afirmam que a semana tradicional de cinco dias está desatualizada e é inflexível. O sentimento é compartilhado por muitas das empresas que participaram do teste da semana mais curta.

Todos os gerentes e diretores executivos consultados relataram alguns efeitos positivos. De acordo com o relatório, 82% relataram melhora no bem-estar.

Pouco menos da metade, 46% dos entrevistados, relataram "mudanças positivas em termos de formas de trabalhar e produtividade, levando a um desempenho geral mantido ou aumentado".

Um ano após o término do teste, os funcionários que continuaram em um padrão de quatro dias relataram que a satisfação no trabalho havia caído, embora ainda fosse mais alta do que quando trabalhavam cinco dias.

HORAS DE TRABALHO
A jornada de trabalho entre os participantes do teste diminuiu. Dados fornecidos por 28 empresas mostraram que a semana de trabalho típica era de 31,6 horas, uma redução média de 6,6 horas por semana em relação ao período pré-teste.

Os padrões de trabalho variam, com algumas companhias implementando um dia de folga universal, geralmente às sextas-feiras, enquanto outras permitiram que as equipes decidissem o dia livre. Optaram por uma semana de quatro dias e meio 7% das empresas.

Alguns funcionários precisam estar prontos para acomodar as demandas de trabalho. Funcionários da empresa de serviços financeiros Stellar Asset Management, por exemplo, devem trabalhar, se necessário, durante parte de seus dias de folga —chamados de "dias flexíveis".

Responder a emails ou participar de uma reunião de Zoom de uma hora, disse ele, era "dar uma olhadinha", e não se comprometer com um dia inteiro de trabalho.

A Trio Media faz o mesmo, chamando o quinto dia de "plantão". "Se houver a necessidade, as pessoas trabalham cinco dias", disse Daniels, "Precisamos da flexibilidade nos dois sentidos."

Outra abordagem é variar as horas de acordo com a época do ano. Funcionários da lanchonete Platten, na costa leste do Reino Unido, por exemplo, trabalham até 40 horas por semana durante os períodos de pico, compensados por 24 horas em períodos mais tranquilos.

LIMITAÇÕES
Michael Sanders, professor de políticas públicas no King's College London, disse que é difícil tirar conclusões amplas do teste.

"O estudo é um grupo de empregadores que se autoselecionaram e, dentro deles, um grupo de funcionários que se autoselecionaram. Não há esforço para identificar o contrafactual —o que teria acontecido de outra forma."

Gemma Dale, consultora e palestrante na Liverpool Business School, está cética sobre a aplicabilidade das experiências. Mais de três quartos das empresas entrevistadas tinham menos de 50 funcionários. Apenas 7% tinham mais de 200 funcionários.

Um relatório de 2022 do órgão de recursos humanos CIPD descobriu que apenas 1% dos empregadores planejavam reduzir as horas de trabalho sem cortar o salário.

Dale apontou a dificuldade de medir a produtividade no trabalho de escritório. "Algumas empresas de consultoria e auditoria medem as horas. Mas, na prática, muitas empresas não conseguem calcular a produtividade [do trabalho]", disse.

Além disso, ela disse que a semana de quatro dias ainda é inflexível. "Ela fixa o trabalho nos dias; ainda estamos pensando no trabalho de uma maneira antiquada em vez de pensar em como trabalhamos. Isso coloca o foco no tempo mais uma vez. Isso replica o status quo."

Revogar tal benefício pode ser um golpe para os funcionários, então os empregadores que embarcam em um teste de semana de quatro dias estão predispostos a mantê-lo.

Uma consultoria retornou para a semana de cinco dias porque "teve dificuldades em gerenciar as expectativas dos clientes e partes interessadas", de acordo com o relatório. Alguns de seus funcionários se sentiram "desapontados".

Fonte: Folha de São Paulo

 

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