Diretora jurídica da Cyrela defende que empresas podem influenciar parceiros a usar métodos alternativos de resolução de conflitos
Michele Lyra (Shell), Diego Vasconcelos (OAB), Andrea Maia (CBMA), Rafaella Carvalho (Cyrela) e Guilherme Alcure (Ternium) no V Congresso Internacional CBMA de Mediação.
O caminho para diminuir o estoque de mais de 81 milhões de processos em tramitação no Brasil passa pelas grandes empresas. Essa é a visão de Rafaella Carvalho, diretora jurídica da construtora Cyrela, que defende que as companhias podem exercer um grande papel na desjudicialização dos conflitos. “A partir do momento em que uma empresa decide qual vai ser a sua postura diante de conflitos, ela impacta a forma que seus parceiros, fornecedores, colaboradores e clientes pensam sobre o assunto”, disse Carvalho.
A diretora foi uma das participantes do V Congresso Internacional CBMA de Mediação, que aconteceu no Rio de Janeiro nos dias 9 e 10 de novembro. Ao longo dos dois dias de evento, vários palestrantes discutiram sobre como a cultura brasileira precisa evoluir para além da disputa judicial e sobre como as empresas podem ajudar nessa direção.
Na visão da executiva da Cyrela, o caminho para que as empresas combatam a “cultura do litígio” passa por investimentos em canais alternativos. “As empresas precisam estar preparadas para que a alternativa ao Judiciário seja boa. Se você tiver uma experiência positiva no canal disponibilizado pela empresa é mais provável que prefira esse canal a outro no futuro”, afirmou Carvalho.
“As empresas podem até ter que fazer um investimento maior para alcançar o objetivo, mas com certeza vão colher frutos no longo prazo”, disse a diretora.
De acordo com Michele Lyra, advogada sênior do contencioso jurídico da companhia de energia Shell, a “cultura do litígio”, ainda que não seja uma “jabuticaba brasileira”, precisa ser endereçada para evitar custos e morosidades desnecessárias.
“Essa cultura leva as empresas a perder tempo e a gastar com advogados e processos. Fora isso, elas estão sujeitas a enfrentar também um impacto reputacional, já que a disputa judicial pode impactar no mercado e no preço das ações. Tudo isso precisa ser levado em consideração quando se avalia qual é a melhor forma de resolver conflitos”, disse Lyra.
A cultura da judicialização
Diego Vasconcelos, presidente da comissão especial de desjudicialização do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), defendeu que é preciso primeiro entender a natureza do problema antes de pensar em como resolvê-lo.
Vasconcelos citou três pontos que considera fundamentais para entendimento do contexto jurídico brasileiro. O primeiro é a reputação do poder judiciário como um todo. “A reputação institucional é tão boa que as pessoas se sentem seguras para solucionar conflitos ali”, disse o palestrante.
O segundo ponto mencionado por ele foi o baixo custo dos processos. “É um incentivo econômico para a judicialização: 85% dos processos no poder judiciário não pagam custas. É barato litigar”, disse.
O terceiro ponto elencado pelo presidente da comissão da OAB foi o atual modelo de educação jurídica brasileiro. Segundo o especialista, desde a primeira faculdade de direito do Brasil é priorizada a judicialização em detrimento de outras formas de resolução de conflitos.
“É preciso ter um olhar crítico e assumir institucionalmente que o Brasil precisa pactuar uma política nacional de desjudicialização que envolva todos os órgãos do judiciário, o CNJ, o Ministério Público, a OAB e todos os agentes da sociedade interessados”, disse Vasconcelos.
O desafio cultural é tamanho que alguns advogados presentes no Congresso citaram casos em que nem mesmo a existência de uma cláusula escalonada, que define procedimentos a serem cumpridos caso surja uma disputa entre as partes, foram suficientes para evitar um conflito maior.
“Eu achava que uma cláusula escalonada bem redigida seria a solução para todos os problemas, mas já vi muitos advogados somente cumprindo tabela e não de fato imbuídos de resolver o conflito por meio da mediação”, disse Vera Barros, do escritório Selma Lemes Advogados.
Fonte: Jota