Segundo especialistas, ainda que tenha registrado uma leve alta, um crescimento perto da estabilidade inspira cuidados
O Produto Interno Bruto (PIB, somatória da produção nacional de bens e serviços) do Brasil surpreendeu positivamente no terceiro trimestre de 2023. Subiu 0,1% em relação ao segundo. Sobre o mesmo período de 2022, alta de 2% cravados. O mercado, no entanto, esperava por uma queda, especialmente após os efeitos da "supersafra" (que garantiram uma alta forte no primeiro trimestre) terem ficado para trás.
Dito isso tudo, e daí? O que significa para o seu bolso?
A alta, surpreendente ainda que tímida, merece ser analisada com cautela. Veio acima do esperado, sim, mas ficou muito perto da estabilidade. Logo, inspira alguns cuidados.
Segundo Alexandre Espírito Santo, professor do Ibmec-RJ e economista-chefe da Way Investimentos, o resultado mostra que a economia "está patinando", o que afeta não só o cotidiano das famílias como também as decisões empresariais.
Empresários, bem como os investidores, pensam duas vezes antes de gastar num cenário de economia mais frágil. O retorno desses gastos, nesse ambiente, pode ser ínfimo.
"Depois de um início de ano favorável, basicamente sustentado por um primeiro trimestre surpreendentemente forte do agronegócio, agora a economia mostra a desaceleração, reflexo da política monetária austera do Banco Central para controlar a inflação", explica o economista.
"Os investimentos produtivos estão ligados à política monetária, como mostra a queda na formação bruta de capital fixo [investimentos máquinas, equipamentos, construção e outros tais]. Como a nossa taxa de juros é uma das mais altas do mundo, isso desfavorece novos negócios, pois o custo de capital torna-se elevado. É difícil atividades produtivas 'normais' competirem com os juros pagos pelo Tesouro nesses patamares. E isso gera consequências adversas sobre emprego e renda", afirma.
O economista André Perfeito, no entanto, tem uma visão mais otimista. Ele concorda que os gastos do lado dos empresários é um ponto negativo, mas destaca que o avanço de serviços e indústria, bem como o consumo das famílias, pode trazer um contraponto positivo.
"Esse resultado veio bom. Do lado da oferta, a agricultura caiu, mas está subindo fortemente ao longo do ano. E serviços e indústria avançaram alguma coisa. O consumo das famílias também continua subindo por conta de massa salarial em patamar recorde e o setor externo está indo bem. A notícia ruim do lado da demanda é a formação bruta de capital fixo, ou seja, o consumo de empresário, o investimento. Mas, de um modo geral, o PIB veio bom, até revisei de 3% para 3,1% minha projeção de crescimento para este ano", afirma.
Para Espírito Santo, porém, o cenário à frente é desafiador. Embora o Banco Central (BC) esteja promovendo cortes nos juros (o que ajuda a impulsionar a economia) após a inflação dar sinais de estar sob controle, o PIB mostra que as famílias estão cautelosas. Portanto, os gastos devem ser mais controlados. E uma possível resistência ao consumo pode influenciar também no resultado do quarto trimestre.
E a Selic? E a bolsa?
O resultado do PIB dificilmente deve influenciar na trajetória de queda da Selic, segundo o Espirito Santo. "Minha visão é que o BC estabeleceu um plano de voo e vai com ele até o final. Nossa percepção é que reduzirá os juros semana que vem em 0,5 ponto percentual e, até 2024, colocará a Selic em 9,5%, caso a inflação permaneça benigna, como agora."
Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, afirma que uma desaceleração da atividade econômica já era esperada pelo BC. Assim, não deve acelerar a queda da Selic. "O resultado veio em linha com o nível ainda contracionista da política monetária. O BC deve continuar com o ritmo de cortes de 0,50 ponto percentual nas próximas reuniões", diz.
Para Phil Soares, analista da Órama, o resultado veio levemente acima do esperado, mas não deve ser suficiente para mudar os rumos do pregão de hoje.
"O PIB veio sem grandes surpresas, a expectativa do mercado era algo em torno de zero e veio isso, um pouquinho melhor que a projeção, mas sem grandes surpresas. O impacto na bolsa deve ser irrisório, porque não puxa para atividade econômica mais aquecida, nem influencia na perspectiva de corte de juros. A surpresa é positiva, mas pequena, e não deve fazer preço no pregão de hoje, não", diz.
Fonte: Valor Investe