Para relatora da ação, negar os direitos trabalhistas é um dos pilares do modelo de negócios das plataformas digitais
Por unanimidade, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu vínculo empregatício entre um entregador por aplicativo de São José do Pinhas, no Paraná, e a empresa Uber. Os magistrados entenderam que o aplicativo UberEats possui responsabilidades trabalhistas ao auferir lucros, estabelecer poderes diretivos e consumir o trabalho dos entregadores. Em nota, a Uber afirmou que pretende recorrer da decisão, que considerou como um entendimento isolado e divergente de outros processos já julgados pela Corte.
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Os ministros revisaram a posição do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT9), que havia negado a existência de relação empregatícia. Por unanimidade, a 2ª Turma acompanhou o voto da relatora, ministra Margareth Rodrigues Costa, que acolhe o recurso apresentado pelo entregador e rejeita a interpretação da Corte Regional de que a Uber atua apenas como intermediadora tecnológica.
Para a relatora, o não reconhecimento dos direitos trabalhistas é um dos pilares do modelo de negócios das plataformas digitais. Em seu voto, a ministra criticou a decisão do TRT9 que, em seu entendimento, adotou uma equivocada. “Em face de uma concepção jurídica equivocada a respeito da relação social estabelecida pelas empresas que utilizam plataformas para contratar trabalho, a Corte regional recusou ao reclamante as garantias mínimas previstas nos arts. 1º, III, 6º e 7º da Constituição Federal”. Para ela, cabe ao Poder Judiciário revisar a legislação frente as novas relações de trabalho.
Como fundamento, a relatora trouxe análise de acadêmicos que qualificam a relação entre os entregadores e os aplicativos como uberziação ou plataformização do trabalho. Segundos eles, as empresas, como a Uber, atuam enquanto prestadoras de serviço na medida em que oferecem uma infraestrutura digital que controla cada entrega instantaneamente.
De acordo com a ministra, há uma relação de prestação de serviços entre entregadores e aplicativos que materializa um vínculo de trabalho. “O contrato de trabalho, enquanto contrato-realidade, se materializa a partir da existência de uma prestação pessoal, onerosa, não eventual e subordinada de serviços, ainda que o desejo ou a intenção da parte patronal não seja o de firmar uma relação nos moldes empregatícios.”
O entregador encaminhou à Justiça do Trabalho o pedido para reconhecer o vínculo empregatício após ter sido descredenciado da plataforma. Segundo ele, houve uma relação de prestação de serviços, sem registro na carteira de trabalho, entre os meses de maio e julho de 2021. Até a revisão da 2ª Turma do TST, o pedido havia sido negado.
Em 9 de setembro, o entregador e a Uber entraram em acordo para quitar despesas e suspender o recurso ao TST. Entretanto, a ministra Margareth Rodrigues Costa entendeu que, como o julgamento do recurso entrou em pauta antes do acordo entre as partes ser peticionado, não caberia suspender a avaliação da 2ª Turma. Além disso, relatora determinou o envio de ofício ao Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio da Coordenadoria Nacional de Combate à Fraude nas Relações de Trabalho (Conafret).
A decisão foi proferida no dia 29 de setembro e a Uber, em nota, afirmou que vai recorrer. O processo, de número RR-536-45.2021.5.09.0892, retornará ao primeiro grau para julgar os pedidos do trabalhador.
Leia a íntegra da nota da Uber:
A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que representa entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal.
A empresa considera que o acórdão não avaliou adequadamente o conjunto de provas produzido no processo e se baseou, sobretudo, em posições doutrinárias de fundo ideológico que já foram superadas, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os parceiros independentes que utilizam sua plataforma, apontando a ausência dos quatro requisitos legais e concomitantes para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho afastando o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma.
O TST já determinou em diversos julgamentos unânimes que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Em um dos mais recentes, a 5ª Turma considerou a “ampla flexibilidade” do profissional para “determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais em que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia” e que “tal autodeterminação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo”.
Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os profissionais “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.
Neste ano, o Supremo Tribunal Federal preferiu quatro decisões negando a existência de vínculo e revogando acórdãos regionais por desrespeito ao “entendimento do STF, firmado em diversos precedentes, que permite outros tipos de contratos distintos da estrutura tradicional da relação de emprego regida pela CLT”.