O que fazer quando um valor central da democracia é visto de forma tão diferente pelos congressistas e pela população? E quando esse mesmo valor é interpretado de maneira sem nenhum ponto de convergência por pessoas de visão política diferente?
Recentemente realizamos a pesquisa “Percepções sobre Liberdade de Expressão – População e Congresso”, a fim de investigar o atual descolamento da leitura sobre o tema entre a população brasileira e seus representantes políticos que atuam no Legislativo nacional.
Conceitualmente, ambos os universos reconheceram a pauta da liberdade de expressão como de alta prioridade para a democracia brasileira. Entre os congressistas a média da nota da prioridade desse tema, numa escala de 0 a 10, foi de 8,7. Para a população, a nota média foi de 7,2.
Que bom que é assim, dado que historicamente a democracia sempre foi baseada no diálogo entre opiniões diferentes, o regime do dissenso. Por isso, muitos autores se referem à liberdade de expressão como a “primeira liberdade”, aquela que permite a construção de todas as outras liberdades, e como o pilar da tolerância.
Porém, aprofundando os questionamentos da pesquisa e direcionando-os para elementos mais factuais, observamos a distância que começa a se formar entre todos aqueles que, até então, “falavam a mesma língua”. A questão passa não mais a ser sobre endossar ou não a ideia abstrata de liberdade de expressão, mas no que ela consiste, quais seus limites concretos e quem são os seus “inimigos”.
O que para uns seguia sendo um direito, para outros passava a ser um discurso perigoso; o que para uns deveria ser intocável, para outros deveria ser censurado; o que para uns era liberdade, para outros era uma violação à democracia.
No levantamento fica explícito quando 35% da população respondeu que é proibido “defender publicamente que o STF está prejudicando a democracia”, enquanto 37,1% disseram que não é proibido (19% responderam que depende e 8,9% não souberam ou não responderam). Esses dados são apenas um exemplo dos diversos casos em que constatamos esse grande desalinhamento.
Não há consenso, tampouco aproximação interpretativa, entre os posicionamentos obtidos na pesquisa. Há, no entanto, divergências ideológicas que se acentuam em ambas as amostras abordadas – divergências, em casos, evidentes, mas que não auxiliam na definição clara daquilo que pode ou que não pode ser expresso pelas pessoas. Na falta de entendimento sobre o tema mantém-se incerto e aberto a interpretações não necessariamente coerentes.
Os dados ainda reforçam, em suma, que junto ao debate sobre liberdade de expressão, no Brasil, impõe-se, antes, a obrigatoriedade de um sério diálogo nacional em relação ao tema. Caso contrário, corre-se o risco de esvaziamento e, mais perigoso ainda, do sequestro da pauta para fins que não estejam associados à defesa da democracia e de seus direitos.
De qualquer forma, temos uma grande oportunidade na mão. Se o valor é prioritário para a maioria dos brasileiros e seus congressistas, é o momento certo de realinharmos esse valor. Para isso, precisamos começar por algo muito básico: ouvir e tolerar o que os outros pensam diferente de nós. Afinal de contas, como diria George Orwell: “Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”.
Fonte: JOTA