A complexidade em torno do PL das Fake News. A lei que não pega é um medo concreto do legislador. Existem diversos fatores que podem explicar eventual falta de adesão à determinada norma, e um deles é o timing da regulação. A decisão de quando regular é parte importante da estratégia para garantir que haja engajamento por parte dos atores afetados, seja na elaboração do texto, seja na implementação da regulação. O timing também é relevante para solucionar um cenário potencialmente danoso de insuficiência regulatória – o que vem se materializando, nos últimos anos, no caso das redes sociais.
Não há dúvidas quanto à ampla utilização das redes no Brasil: dados de 2023 colocam o país em terceiro lugar na lista de países em termos de nível de consumo, com 131,5 milhões de usuários conectados. À medida que esse número cresce, a necessidade de aperfeiçoamento da regulação específica para o nicho vem a reboque, mostrando que as normas em vigor, em especial a Lei 12.964/2014 (Marco Civil da Internet), não parecem suficientes.
O PL 2630/2020 foi apresentado no Senado há quase três anos, em 13 maio de 2020. Ao longo de sua tramitação, foi equivocadamente apelidado de “PL das Fake News” – a verdade é que seu objeto é muito mais amplo do que o nome aparenta. O PL propõe a instituição da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet[1], com foco nas redes sociais, ferramentas de busca e serviços de mensageria instantânea (como o WhatsApp e o Telegram).
O PL 2630 foi aprovado pelo plenário do Senado e remetido em julho de 2020 para a Câmara dos Deputados, onde tramitou em um ritmo mais lento nos últimos anos. Tão lento que, em setembro de 2021, em meio aos protestos a favor e contra o governo Bolsonaro, houve uma tentativa de by-pass com a apresentação da MP 1068/2021 pelo então presidente da República. A MP alterava o Marco Civil da Internet e definia critérios de uso de redes sociais.
Na exposição de motivos da Medida Provisória, sua justificativa era pautada na contenção da “remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores de redes sociais”, em proteção à liberdade de expressão. O Congresso rejeitou sumariamente a norma, amparado por pareceres da OAB e da Procuradoria-Geral da República (PGR), entendendo que a MP não era a via adequada para regulação e que seu texto gerava insegurança jurídica.
No cenário atual, o enredo é diferente. A tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023 e o recente ataque à creche em Blumenau (SC), articulados por meio de redes sociais, se tornaram fatos que sinalizavam que a regulação das mídias se tornou uma pauta inadiável.
Foi acionado o alarme de incêndio que desencadeou a atribuição do regime de urgência ao PL 2630 e a apresentação de uma série de emendas inéditas. A potencial ocorrência de novos fatos graves tende a endurecer a regulação, levando ao risco de incorrer em uma solução desproporcional, movida pela fotografia do momento, o que pode ter se refletido justamente nas emendas apresentadas.
A regulação das redes é uma tendência mundial, o que ressalta a necessidade de regular. Na Comissão Europeia, em 2022, foi aprovado o pacote legislativo sobre os serviços digitais, com foco em segurança, responsabilidade e transparência. O pacote prevê uma série de medidas a serem implementadas, progressivamente, pelas plataformas de mídias, balizando sua atuação e reforçando sua responsabilidade quanto ao conteúdo veiculado.
O timing da regulação das redes sociais no Brasil se mostra imediato, já que as normas em vigor não se mostraram suficientes para endereçar as questões específicas inerentes ao tema. Se a regulação não vier do Poder Legislativo – arena na qual a discussão aparenta estar mais madura e com mais abertura à participação social[2] – virá por outras vias possivelmente menos democráticas[3].
[1] Ementa originária do PL no Senado: “Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”.
[2] Na Câmara, por exemplo, foram realizadas 15 audiências públicas relacionadas ao PL em 2021, com ampla participação social. Importante destacar que as audiências foram realizadas previamente às emendas recentemente apresentadas. Seria relevante convocar os grupos afetados/interessados para se manifestarem sobre o texto com as alterações.
[3] O Ministério da Justiça e Segurança Pública já editou portaria de prevenção à disseminação de conteúdos flagrantemente ilícitos, logo após o ocorrido em Blumenau. O STF, no curso do Inquérito das Fake News, interveio para determinar a remoção de conteúdo impulsionado pelas plataformas contrários ao PL.