Mediação, conciliação e tutela cautelar antecedente à recuperação judicial

Os enunciados do I Congresso do Fonaref e a melhoria da aplicação da Lei de Recuperação de Empresas e Falências. A Lei 14.112/20 trouxe inovações para a Lei 11.101/05 (LREF) a fim de torná-la mais aderente à nossa realidade jurídica, econômica, política e social. Mais do que atualizar a prática dos processos de recuperação judicial e extrajudicial e de falência, a Lei 14.112/20 procurou reformar o sistema de insolvência brasileiro.

Dentre tais inovações, foi admitido o uso da mediação ou da conciliação antes ou durante o trâmite daqueles processos e a possibilidade de, paralelamente, o devedor obter tutela de urgência cautelar para suspender execuções contra si por até 60 dias (LREF, art. 20-B, § 1).

A matéria ganhou destaque com os 15 enunciados aprovados no I Congresso do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref), promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e realizado em março deste ano.


A correta compreensão da matéria e desses enunciados é fundamental para a pretendida melhoria do ambiente institucional de aplicação da LREF.

De acordo com as inovações da Lei 14.112/20, a mediação e a conciliação devem ser incentivadas em todos os graus de jurisdição, podendo ser realizadas de forma antecedente ou incidental, em sessões presenciais ou virtuais (LREF, arts. 20-A a 20-D).

De modo geral, pode-se afirmar que a mediação e a conciliação são meios consensuais de solução de conflitos trazidos pelo legislador nacional para ajudarem, no âmbito da insolvência, o oferecimento de um ambiente seguro e favorável à negociação coletiva e, ao mesmo tempo, à minimização das consequências da judicialização de conflitos paralelos.

Embora possuam características distintas, a mediação e a conciliação procuram construir um diálogo produtivo entre os participantes, por meio do desenvolvimento de relações pessoais que os levem a pensar juntos na resolução de um problema comum.

Para facilitar a aplicação de tais meios e até evitar um pedido de recuperação, o legislador brasileiro também trouxe a possibilidade de o devedor obter vantagens dessa espécie de processo, sem precisar se sujeitar a algumas de suas desvantagens.

A lógica da nova sistemática de pré-insolvência, então, foi conceder ao devedor a possibilidade de suspender as execuções que lhe tenham sido propostas mesmo sem estar em um processo de recuperação judicial.

Esclareça-se que essa concessão, tratada como cautelar por opção legislativa para preservar a reputação do devedor, não se confunde com a tutela também trazida pela Lei 14.112/20, que visa a antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da decisão que autoriza o processamento de recuperação judicial e cuja discussão sobre seus limites está na pauta do dia, diante do seu recente uso em notório caso midiático (LREF, art. 6º, § 12).

Buscando orientar a atuação de juízes, advogados e demais operadores do Direito a respeito de temas controvertidos sobre a matéria, o CNJ aprovou, como mencionado, 15 enunciados recentemente, que, dentre outros, abordaram temas como: requisitos para a concessão da referida tutela cautelar, quem está submetido aos seus efeitos, seu termo inicial, contagem do seu prazo de eficácia de até 60 dias e forma para a sua revogação.

Não obstante o conteúdo objetivo e relevante dos enunciados e de suas respectivas justificativas, algumas questões parecem não ter ficado claras, como, por exemplo, o significado da expressão “definição exata” dos credores convidados a participar do procedimento de mediação ou de conciliação (Enunciado 1). Isso porque, mais do que a identificação nominal, a implementação de tais meios consensuais de solução de conflitos depende de outros dados dos credores, além, claro, do fornecimento de todos os contatos que o devedor dispuser a respeito deles.

Igualmente, se a revogação da tutela cautelar depende apenas da demonstração de qualquer credor, mesmo que não convidado, que o devedor não promove ou procrastina o regular andamento da mediação ou da conciliação (Enunciado 9) ou se também do efetivo contraditório e da manifestação do mediador ou conciliador.

Ainda, em que momento devem estar preenchidos os requisitos legais a serem demonstrados pelos documentos previstos no art. 48 da LREF para o devedor requerer referida tutela cautelar (Enunciado 10).

Se questões como as mencionadas acima parecem não ter ficado claras, outras surgem da aparente falta de conversa entre os enunciados e a Lei 13.140/15, que trata especificamente da mediação.

Assim, a consideração do início do procedimento com o requerimento do devedor ao Cejusc do tribunal competente ou à câmara privada para a expedição de convite a credores (Enunciado 2), enquanto o art. 17 da Lei 13.140/15 prevê que se considera instituída a mediação na data para a qual for marcada sua primeira sessão.

Até porque, mesmo que o requerimento do devedor tenha sido escolhido pelo legislador para confirmar a evidência da probabilidade do seu direito e, nessa medida, o preenchimento de requisito legal para a concessão da tutela cautelar prevista no art. 20-B, § 1º, da Lei 11.101/05, não houve uma definição do termo inicial do prazo da mediação, nem da conciliação.

Adicione-se que os enunciados não deixaram claro outra questão de bastante relevância prática e que costuma ser mal interpretada, qual seja, que a improrrogabilidade do prazo de suspensão das execuções se refere apenas à eficácia da tutela cautelar (Enunciado 3), uma vez que o art. 28 da Lei 13.140/15 faculta às partes requererem a prorrogação do procedimento de mediação para além do prazo de 60 dias, caso queiram.

Em outras palavras, a mediação é prorrogável se assim desejarem o devedor e um ou mais credores convidados para a negociação (e, claro, que tiver aceitado o convite).

Existem outras questões ainda que desafiam o intérprete, como a vinculação exclusiva dos credores convidados a participar do procedimento de mediação ou conciliação, ainda que não tenham aceitado o convite, aos efeitos da referida tutela cautelar (Enunciado 6).

De um lado, porque essa limitação não está prevista na redação do art. 20-B, § 1º, da LREF, a formulação de convite a todos os credores pode ser contraproducente para a implementação de tais procedimentos e para a própria reorganização do devedor, bem como a distinção enunciada poderia levar a prazos diferentes para credores de uma mesma classe, diante da dedução do período de suspensão de até 60 dias do chamado stay period, na hipótese de futura recuperação judicial ou extrajudicial (art. 20-B, § 3º, da LREF).

De outro lado, a tutela cautelar não pode sujeitar terceiros que não sejam parte no processo, tampouco pode estimular o mau uso do sistema, como o requerimento da tutela cautelar como estratégia para se ganhar tempo, comprometendo, assim, ainda mais a situação dos credores.

Tais questões exemplificam como a mediação, a conciliação e a tutela cautelar antecedente prevista no art. 20-B, § 1º, da LREF devem continuar a ser debatidas e analisadas com profundidade na praxe forense, a fim de que a lógica dos procedimentos de pré-insolvência e as valiosas orientações trazidas pelos enunciados aprovados no I Congresso do Fonaref sejam bem compreendidas e, principalmente, bem aplicadas no caso concreto. Caso contrário, corremos o risco de não obtermos a melhoria do ambiente institucional de aplicação da LREF tão pretendida pela Lei 14.112.

Fonte> JOTA

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