Chegou a hora de regular o Instagram?

É necessário sair da inércia regulatória em relação às Big Tech. O novo cigarro. Esse é o rótulo que tem sido conferido ao Instagram, em especial após a publicação de uma reportagem pelo jornal The Wall Street Journal que revelou o impacto negativo da plataforma na saúde mental dos mais jovens, sobretudo das adolescentes.

A reportagem é parte de um empreendimento jornalístico do WSJ, que ficou conhecido como Facebook Files, já que baseada em diversos relatórios e pesquisas internas do Facebook (Meta).

A reportagem do WSJ jogou luz sobre dados alarmantes que o Instagram deliberadamente tentava evitar que fossem divulgados: (i) 32% das adolescentes dizem que quando elas se sentem mal a respeito de seus corpos, o Instagram as faz sentir ainda pior; (ii) comparações impulsionadas pelo Instagram podem alterar a autopercepção das adolescentes a respeito de suas imagens corporais; (iii) dentre as adolescentes que reportaram pensamentos suicidas, 13% entre usuárias britânicas e 6% entre usuárias americanas associaram esse desejo à utilização do Instagram; (iv) mais de 40% dos usuários do Instagram que não se sentem atraentes fisicamente reportaram que esse sentimento começou após a utilização da plataforma; (v) por mais que adolescentes não se sintam confortáveis com o tempo que eles gastam no Instagram, eles não possuem o autocontrole para diminuir o uso do aplicativo.

Esses dados, de fato, são preocupantes e chamam ainda mais atenção por terem sido produzidos pelas equipes internas do Instagram e do Facebook, bem como pela adolescência ser um período de hipervulnerabilidade às psicopatologias, notadamente transtornos de ansiedade e depressão[1].


Note-se, nesse particular, o estudo conduzido na Inglaterra por Kelly et al[2], o qual sugere existir uma associação forte entre a utilização das redes sociais e o desenvolvimento de sintomas da depressão por jovens, com maior impacto em meninas adolescentes. Esse diagnóstico é ainda mais saliente quando fatores como assédio online, má qualidade do sono, baixa autoestima e insatisfação corporal estão associados à experiência nas redes sociais.

Um outro estudo realizado em Singapura revelou o papel que o número de seguidores e likes desempenham no modo que as adolescentes se autopercebem, já que atualmente essa parece ser a maneira mais eficaz de obter a validação, reconhecimento e atenção pelos próprios pares[3]. Como os likes e números de seguidores passaram a ser os indicadores contemporâneos de beleza, as adolescentes passaram a emular a sua imagem de acordo com os parâmetros do grupo social no qual elas estão inseridas. Quando essa validação não vem, problemas de autoestima e insegurança chegam a reboque.

Não bastasse isso, a pressão pela utilização das redes sociais nos jovens é ainda mais presente em razão do fenômeno conhecido como “fear of missing out (FoMO)”, que pode ser compreendido como o sentimento de angústia ao perder experiências que outros podem estar vivenciando, o que acaba por desencadear um desejo de permanecer constantemente conectado com o que os outros estão fazendo[4].

Por muito tempo houve bastante resistência em regular as atividades das plataformas digitais. A justificativa para tanto era a de que a regulação asfixiaria a inovação. Muito embora não existam evidências empíricas que ofereçam suporte a essa conclusão, o argumento parece ter funcionado por bastante tempo. Esse ciclo, contudo, parece estar se encerrando. Há uma sinalização mais clara de que essas plataformas são fontes geradoras dos mais diversos riscos, de modo que não seria um absurdo sugerir que o arco do Estado regulador estaria se dobrando em direção à regulação das plataformas digitais.

Ilustrativo desse novo ciclo regulatório pode ser observado na comunidade europeia, que no último dia 24 de março chegou a um acordo para aprovar o Digital Markets Act (DMA), orientado a regular e domesticar o poder de mercado das Big Tech. A regulação das plataformas digitais também está na ordem do dia nos Estados Unidos, como é possível verificar, por exemplo, em recente ordem executiva expedida pelo presidente Joe Biden, exortando a Federal Trade Comission (FTC) a exercer o seu poder normativo para conter o poder de mercado exercido pelas plataformas digitais.

O momento, portanto, parece ser oportuno para discutir o gerenciamento dos riscos que o Instagram representa à saúde mental dos jovens, em especial das adolescentes, uma vez que já se começa a formar uma compreensão de que o modelo de autorregulação defendido pelas plataformas é insuficiente para conter todos os riscos que elas criam.

Em junho de 2021, os legisladores noruegueses editaram uma lei exigindo que os conteúdos de influenciadores digitais que tenham sido objeto de algum tipo de retoque ou filtro sejam objeto de disclosure. Isso quer dizer que todas as imagens publicitárias ou de influenciadores digitais que tenham sido manipuladas deverão vir acompanhadas por uma mensagem parametrizada pelo Ministério das Crianças e das Famílias da Noruega, deixando claro quais retoques foram efetivamente realizados. Essa nova legislação, quando efetivamente entrar em vigência, promete impactar nas atividades do Instagram.

Enfim, o artigo 227 da Constituição brasileira aloca à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar o direito à saúde das crianças, dos adolescentes e dos jovens, com absoluta prioridade. Ao densificar o conceito de prioridade entabulado na Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prescreve que essa garantia de prioridade compreende, entre outras, uma preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas.

Contudo, o que se tem observado é que esse mandamento constitucional parece estar sendo negligenciado no que diz respeito aos riscos criados pelas plataformas digitais, que vêm voando abaixo do radar dos reguladores, operando em uma espécie de vácuo regulatório há bastante tempo.

De fato, nem mesmo o surgimento de evidências científicas associando a utilização do Instagram ao declínio do bem-estar mental dos mais jovens, em especial das adolescentes, parece ser o suficiente para deflagrar um debate público vocacionado a discutir alternativas regulatórias orientadas a perseguir o mandamento constitucional de resguardar a saúde das crianças, dos adolescentes e dos jovens.

Esse não é um fenômeno isolado. O cenário delineado neste artigo é apenas uma das peças do mosaico que retrata a incapacidade do aparato regulatório nacional em regular as Big Tech. A impressão que fica é a de que elas apenas trazem benefícios, e que regulá-las asfixiaria a inovação tecnológica, o que além de ser ingênuo é uma visão desconectada com os ciclos regulatórios que estão ocorrendo mundo afora, que vêm buscando formas de domesticar as Big Tech. Não bastasse isso, existem ainda questões tributárias, de privacidade e até mesmo de erosão democrática que precisam ser mais bem exploradas sob o ponto de vista regulatório. Em resumo, é necessário sair dessa inércia regulatória.

Fonte: JOTA

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