WhatsApp não deve ser usado para marketing político, diz executivo da Meta

Head de políticas públicas do WhatsApp detalha como a plataforma pretende coibir disparos em massa. Em outubro, o ministro Alexandre de Moraes ocupará a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e será o principal responsável pela organização do processo eleitoral. O ministro deu, no ano passado, um dos recados norteadores para o combate às fake news políticas neste pleito: disparos em massa não serão mais tolerados e quem descumprir a ordem poderá ser preso.

A mensagem foi dada durante julgamento no TSE de ações que pediam a cassação da chapa de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão pela alegada contratação de empresas que faziam disparos de mensagens pelo WhatsApp. O magistrado disse que, neste ano, a Justiça Eleitoral não seria pega de surpresa por milícias digitais como em 2018.

O WhatsApp quer se manter longe do uso político do aplicativo de mensagens – diferente do Telegram, conforme já noticiou o JOTA. Os disparos em massa já são proibidos pela plataforma americana, que, na última eleição, atuou em parceria com o TSE para rechaçar qualquer vínculo com a desinformação orquestrada.

Dario Durigan, head de Políticas Públicas para o WhatsApp, na Meta Brasil, afirma que a plataforma “é espaço de conversa privada entre pessoas, em seus grupos e em comunidades mais próximas, então não deve ser usada como instrumento de marketing político”. Em entrevista ao JOTA, ele detalhou como a empresa deve reforçar o combate à desinformação.

Em eleições passadas, tivemos problemas com uso de redes sociais e aplicativos de mensagens para propagar desinformação – tanto no Brasil quanto em outros países. O que o WhatsApp aprendeu nesse processo?

O compromisso do WhatsApp é com a democracia e as autoridades brasileiras. Essa é uma marca que o diferencia de outros concorrentes de maneira muito drástica. A chegada ao Brasil de um time que lida com questões de políticas públicas e comunicações, em 2020, construiu junto com o TSE uma estratégia importante de parceria para as eleições locais. Foram vários aprendizados, que se materializaram em iniciativas concretas.

O primeiro é relacionado à desinformação profissional, que vai ser combatida pelas autoridades e também pelo WhatsApp neste ano. A plataforma não é lugar para propaganda política e eleitoral profissional; ela é espaço de conversa privada entre pessoas, em seus grupos e em comunidades mais próximas, então não deve mais ser usada como instrumento de marketing político.

Essa é uma mensagem que deve ser levada também para o mundo político, como um pedido mesmo, de conclamação para as candidaturas, de que não contratem disparo de mensagens em massa. A proibição está prevista hoje nas regras brasileiras, depois de uma colaboração do WhatsApp, que sugeriu isso ao TSE [a regra consta na Resolução 23.610/2019]. É ilegal, contraria as regra eleitorais, pode comprometer as chapas e as campanhas, e é ineficaz, porque o WhatsApp tem um sistema que bane as contas e não permite que esse tipo de abuso ocorra.

O que será feito pela plataforma e quais ferramentas os usuários terão para combater essas irregularidades?

O usuário deve reportar a conta que estiver mandando esse tipo de mensagem automatizada. Temos incentivado isso. Do outro lado, o WhatsApp bane essas contas; há um sistema de detecção da plataforma nesse sentido. Em 2020, o WhatsApp criou uma plataforma de denúncia com o TSE, que foi comunicada a partidos políticos.

As candidaturas se acompanham, se monitoram, se medem, durante a corrida eleitoral. Pedimos que, havendo um sinal ou percepção por parte de uma candidatura de que algum adversário esteja usando mecanismos como esse, denuncie. Para 2022, isso segue valendo. Hoje, são 8 milhões de contas banidas por mês na plataforma.

Há ainda outro aspecto indireto que é muito relevante: o aprendizado e o amadurecimento do uso do aplicativo por parte do usuário. Ele se tornou mais crítico e cético às mensagens que recebe.

Dentro do WhatsApp, a tentativa é fomentar reflexão, desde as campanhas de conscientização à inclusão da lupa do Google nas mensagens encaminhadas. Há um chatbot do TSE dentro do WhatsApp, que conecta checadores a usuários na plataforma. Dentro do próprio ecossistema do aplicativo, os eleitores vão ter esses caminhos de checagem de informação e para pedir informação.

Como não há moderação de conteúdo no WhatsApp, como garantir o combate à desinformação ao mesmo tempo em que se mantém a privacidade e a liberdade de expressão?

O WhatsApp tem como característica de base, que o define, a criptografia de ponta a ponta. Ela é importante para a garantia de direitos fundamentais no mundo digital e tem a implicação de que o WhatsApp não enxerga o conteúdo do que as pessoas estão conversando. A criptografia de ponta a ponta garante isso. Em outubro, no Dia da Criptografia [criado por uma coalização que defende a tecnologia como direito humano], o Edward Snowden [ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança] disse que proteger a criptografia e garantir espaços criptografados na internet seria proteger vidas.

Com isso, o desafio colocado é como enfrentar a viralidade da desinformação sem desprezar a privacidade dos usuários. O controle da viralização de conteúdos é prioridade para a plataforma e isso segue sendo perseguido. Houve duas mudanças importantes nesse sentido entre as eleições: em 2019, o limite de encaminhamentos por vez caiu de 20 para até cinco a cada mensagem; depois, em 2020, as mensagens frequentemente encaminhadas passaram a receber uma etiqueta e sofrem redução maior de encaminhamentos, com um contato por vez. Quando essa mudança foi anunciada, a redução foi de 70% nas mensagens viralizadas.

No sentido de atuar contra a desinformação, especialmente no cenário eleitoral, quais as responsabilidades assumidas pelo WhatsApp? Em outras palavras, quais os limites do seu dever? E o que não se pode exigir da plataforma?

Olhando para o cenário do Brasil, o WhatsApp é talvez a única mensageria privada que participa dos programas de integridade. Também é um dos parceiros prioritários do TSE. O cumprimento da legislação brasileira é completamente feito, como o Marco Civil da Internet e inclusive pedidos judiciais e de investigação das autoridades.

O WhatsApp não tem o conteúdo das mensagens, mas tem outras informações, outros dados e metadados, passíveis de colaboração e que têm ajudado para enfrentamentos a crimes. Além disso, há o compromisso, que temos manifestado, de garantir a privacidade dos usuários e, ao mesmo tempo, fazer o combate à desinformação, que é importante e é devido. As eleições brasileiras têm prioridade máxima para o WhatsApp, inclusive em todos os times ao redor do mundo.

Tanto o TSE quanto o STF estão encarando o desafio sobre como lidar com algumas plataformas. É o caso do Telegram, que se tornou vetor para a disseminação de conteúdo político após as travas criadas pelo WhatsApp. É possível ser eficiente no combate às fake news em um ecossistema heterogêneo, em que há plataformas que não se preocupam com isso?

Há uma preocupação das autoridades do Brasil em ter uma eleição íntegra, em que haja diálogos e parcerias com autoridades. A complexidade é não ter uma solução que venha para uma só plataforma. Todas as plataformas, autoridades e usuários têm o seu papel no combate à desinformação. O que vivemos no Brasil mostra que medidas legislativas mirando uma só plataforma para lidar com a desinformação é muito ineficiente e ineficaz. Temos reforçado isso no Congresso. O combate à desinformação é de todo mundo, de governos, Judiciário, Legislativo, dos usuários, do mundo político, mas em especial das plataformas, todas as plataformas.

O TSE tem tido um papel de liderança fundamental, de trazer as plataformas, de gerar todo um ambiente em que esse dever de todo mundo combater desinformação pode se manifestar. O tribunal, especialmente na gestão do ministro Barroso, foi o grande responsável por fazer esse movimento integrado.

Tivemos avanços significativos na tramitação do PL das Fake News no ano passado. A versão que temos hoje à mesa, aprovada por um grupo de trabalho na Câmara, está suficiente para o WhatsApp?

Houve um reconhecimento de início da diferença de produto entre o WhatsApp e as demais plataformas. Isso está bem espelhado no PL. A mesma contribuição que o WhatsApp levou em 2019 para o TSE sobre o combate ao disparo em massa também tem apoiado na discussão no Congresso, para que essa vedação se espalhe para outros âmbitos além do eleitoral.

No texto aprovado pelo grupo, o capítulo de mensageria, que é o que diz mais respeito ao WhatsApp, amadureceu bastante em relação ao do Senado. Isso certamente foi fruto de um trabalho na Câmara, com o deputado Orlando Silva, onde houve dois ciclos de audiências públicas, que ouviram a sociedade civil, a academia, e se pôde perceber que a rastreabilidade não seria uma solução adequada para lidar com os problemas da mensageria privada. A proposta no relatório conta com a simpatiza do WhatsApp.

Ainda há lacunas que precisariam ser melhoradas?

Os pontos principais foram bem endereçados. Há pontos acessórios que seguem sendo importantes, como o artigo 14 do texto aprovado, em que, com a intenção correta de limitar mecanismos que permitem conversas em escala, acabam limitando aplicativos como o WhatsApp Business App no uso mais comum.

O trecho levaria à confusão de que um pequeno empresário, individual, da periferia das grandes cidades, que queira usar o aplicativo, necessitaria de dois aparelhos e duas contas. Na realidade, as pessoas tratam de assuntos pessoais e de pequenos negócios dentro da mesma conta, que pode ter o nome business, mas não traz consigo nenhum mecanismo de conversa em escala, de risco de viralidade e automação.

Fonte: JOTA por LETÍCIA PAIVA

 

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