Lei de Acesso à Informação, 10 anos: o que mudou?

Muito se avançou após a edição da LAI; agora, é preciso readequar a lei e sua interpretação ao contexto digital. Em novembro de 2021, a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011 ou LAI) completou dez anos desde sua publicação. O texto teve por objetivo promover uma alteração de modelo na relação administração-cidadão, na dimensão da publicidade e transparência. A LAI deu corpo ao direito fundamental de acesso à informação previsto no artigo 5º, XXXIII, no artigo 37, §3º e no artigo 216, §2º, todos da Constituição.

Na prática, isso significou a previsão de critérios mínimos para a administração disponibilizar dados, de maneira atualizada, contínua e espontânea, em portais oficiais, seja por meio físico ou digital. Esta é a “transparência ativa”: o dever de fornecer ao cidadão um ferramental básico para compreender o essencial acerca da atividade administrativa e de seus direitos relativos à prestação e oferta de serviços públicos.

Essa transparência ativa, atualmente, é cada vez mais atrelada à digitalização do agir administrativo. Houve a reformulação, nos últimos anos, da chamada plataforma gov.br, na qual foram unificados diversos serviços ofertados ao cidadão pelo governo federal. Foi essa iniciativa que guinou o Brasil em rankings de governo digital, sendo enquadrado como 7º colocado em um ranking de 198 países feito pelo Banco Mundial [1].


O aspecto positivo da evolução a nível federal, entretanto, não está sujeito a erros: o ataque hacker recente à plataforma Conecte SUS, cuja conta individual é integrada ao gov.br, demonstra as fragilidades do sistema. O aplicativo do Conecte SUS fornece diversos serviços digitais, entre eles a emissão do comprovante de vacinação. Na base de dados, há informações sensíveis dos cidadãos conforme enquadra a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que estão relacionadas à saúde. Meses antes havia ocorrido um ataque ao sistema da Anvisa.

O avanço digital e nos serviços ofertados por meio de plataformas exigem preocupação com episódios como tais. Há uma necessidade de revisão não só da Estratégia Nacional de Cibersegurança (implementada a nível federal por meio do Decreto nº 10.222/20), mas também da própria LAI. Não se menciona, em nenhum momento do texto da lei, uma preocupação nessa linha – o que poderia fazer sentido há dez anos, mas que atualmente exige revisão.

A Lei de Acesso à Informação também trouxe o conceito de transparência passiva. Nesta hipótese, ao contrário da transparência ativa, o cidadão requer determinada informação para a administração pública. Nesse sentido, a LAI criou efetivamente um processo administrativo de pedido de informação, com etapas e prazos definidos. Essa processualização ocorreu não só a nível federal, mas também em outras esferas federativas.

No contexto da pandemia da Covid-19, houve aumento de pedidos de informação requeridos a nível federal. Em estudo conduzido pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFRJ e publicado na Revista da CGU, foram analisados os pedidos de informação, dirigidos ao governo federal, por meio do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC). Foi analisado o período do 1º semestre de 2020 e o recorte de conteúdo foram os pedidos relacionados à Covid-19, com suas respectivas respostas [2].

Uma das principais conclusões foi que o e-SIC se tornou um canal utilizado pela população para solicitar informações sobre o auxílio emergencial, por exemplo. Os pedidos refletiram, ainda, uma mudança no perfil dos demandantes que utilizam a via. Se antes apenas cidadãos de alta escolaridade submetiam pedidos via e-Sic, a ferramenta se popularizou para a população de nível de escolaridade mais baixa.

Apesar do avanço, a pandemia também trouxe polêmicas quanto ao processo da LAI. Em março de 2020, o presidente da República editou a Medida Provisória nº 928/20, na tentativa de suspender os prazos de resposta para os pedidos de informação. A suspensão envolvia requisições a órgãos cujos servidores estivessem em regime de teletrabalho e que, necessariamente, dependessem de acesso presencial para resposta ou de agentes ou setores diretamente envolvidos no combate à pandemia de Covid-19.

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), referendando liminar proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, determinou a suspensão da eficácia do dispositivo da MP 928/20 [3]. Para o STF, a consagração constitucional da publicidade e da transparência corresponde a uma obrigatoriedade de o Estado fornecer as informações solicitadas, independente do contexto da pandemia.

Ademais, é comum que o poder público se valha de interpretação abusiva dos dispositivos da LAI, que tratam das hipóteses excepcionais de restrição de acesso à informação. A Lei de Acesso à Informação prevê a possibilidade de a administração classificar determinadas informações em certos graus de sigilo, de modo a restringir o seu acesso pelos cidadãos por períodos de tempo específicos. Cabe frisar que o sigilo deve ser a exceção, na linha do que estabelece a Constituição.

Como exemplo, o Ministério da Saúde, com base na LAI, considerou sigilosos os documentos que tratavam da aquisição de vacinas da Covaxin. No dia 6 de agosto de 2021, o ministério justificou o sigilo alegando que os documentos se encontravam em fase preparatória, quando o processo está em tramitação no órgão [4]. De modo contraditório, a própria pasta anunciou, em 29 de julho de 2021, que o contrato da Covaxin havia sido cancelado [5]. O Poder Judiciário considerou ilegal o sigilo do contrato da Covaxin, uma vez que não foram apresentados elementos concretos que esclarecessem devidamente a motivação do ato de impor sigilo a tais documentos [6].

Muito se avançou após a edição da Lei de Acesso à Informação no Brasil. Para os próximos dez anos, é preciso continuar evoluindo. Algumas ações básicas seriam readequar a lei e sua interpretação para o contexto digital; pensar em mecanismos de educação digital, para o cidadão operar as plataformas; e reconhecer a disparidade na federação – enquanto a nível federal temos uma plataforma multifuncional, a nível estadual e municipal os entes precisam de incentivos para continuar o aprimoramento nos sistemas de acesso à informação.

FONTE: JOTA

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