Para desembargadores, norma da Anvisa que proíbe a manipulação de Cannabis extrapola poder regulador do órgão
A 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deferiu o pedido de uma farmácia para adquirir e manipular produtos derivados da Cannabis Sativa. O magistrado entendeu que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) extrapolou seu poder regulador ao proibir que farmácias de manipulação comercializem mercadorias com ativos da Cannabis.
A Vigilância Sanitária de São José do Rio Preto, durante fiscalização, autuou a Biomagistral Farmaceutica Ltda Me por manipular e adquirir produtos derivados ou fitofármacos de Cannabis Sativa. O órgão alegou que, com base na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327/2019 da Anvisa, a farmácia não poderia manipular tais mercadorias já que a regulação permite que apenas farmácias sem manipulação comercializem medicamentos com princípios derivados da Cannabis.
A farmácia entrou com mandado de segurança e solicitou que a vigilância não imponha qualquer restrição ao funcionamento do estabelecimento na aquisição, manipulação e/ou dispensação de produtos com ativos da Cannabis Sativa, desde que atendidos os demais requisitos pertinentes.
Em 1ª instância, a juíza Tatiana Pereira Viana dos Santos deferiu o pedido da Biomagistral Farmacêutica por entender que a regulação feita pela Anvisa criou uma distinção entre farmácia com e sem manipulação que não existe em normas superiores e que não cabem ao órgão definir.
“A RDC colide com normas hierarquicamente superiores ao estabelecer restrição às farmácias com manipulação que as leis não fazem, extrapolando competência legislativa, já que não há na legislação impedimento à impetrante ao exercício da atividade relativa aos produtos manipulados, conforme as atribuições próprias e típicas dos farmacêuticos, respeitado o código do Conselho Regional de Farmácia”, observa.
Argumentos do município
O município de São José do Rio Preto recorreu da decisão e alegou que compete à Anvisa normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde e atuar em circunstâncias especiais de risco à saúde, sendo certo que os produtos de Cannabis ainda não possuem registro junto à Agência, mas tão somente autorização sanitária. Sustenta que a Biomagistral Farmacêutica não está apta, nem regularizada para fabricação de medicamentos ou para conduzir estudos clínicos que comprovem a segurança do uso do produto.
Afirma ainda que a farmácia não possui qualificação técnica, operacional e instalações físicas para a fabricação de medicamentos. A Procuradoria Geral de Justiça se manifestou pelo parcial provimento do recurso.
O desembargador Rubens Rihl observou que, apesar do poder regulatório da Anvisa, o órgão não pode editar atos normativos que extrapolem à legislação, sobretudo quando a matéria impõe restrições à pessoas físicas e jurídicas. “Ora, ao permitir que as farmácias sem manipulação dispensem produtos de Cannabis, acabou por realizar indevida distinção entre estas e as farmácias com manipulação, haja vista a ausência de lei que faça a referida discriminação”, afirmou.
Rihl destacou que a Lei Federal nº 13021/ 2014 determina que o espectro de atividades das farmácias com manipulação é maior do que o das farmácias sem manipulação. “Caso fosse se cogitar alguma restrição, deveria ser esta relacionada às farmácias sem manipulação, mas jamais o contrário”, explica.
Assim, o recurso do município e do chefe da vigilância sanitária de São José do Rio Preto foi negado. O processo tramita com o número 1034060-68.2021.8.26.0576
fonte: JOTA