Algumas repercussões da Lei nº 14.195/2021. Resultado, em grande medida, da mutabilidade do direito para a atividade de mercado, em que as mudanças levantam questões sobre a necessidade de novas normas de conduta[1], diversos foram os mecanismos a partir dos quais se buscou instrumentalizar as exigências econômicas e sociais de responsabilidade empresarial e, dentre elas, a limitação da responsabilidade do empresário individual.
Essa limitação propicia grande desenvolvimento econômico, na medida em que, permitindo a separação patrimonial ao dissociar o patrimônio da pessoa investidora daquele destinado à atividade empresarial, modifica aspectos de ordem prática, já que possibilita a diminuição das sociedades fictícias que existem apenas para garantir a limitação de responsabilidade patrimonial.
Nesse sentido, diferentemente de outros países que implementaram modelos de responsabilidade individual na década de 90, até a entrada em vigor da Lei de Liberdade Econômica – Lei nº 13.874/19 –, o ordenamento jurídico brasileiro só admitia a sociedade unipessoal por meio da subsidiária integral, conforme art. 251 da Lei nº 6.404/76, e a unipessoal superveniente e temporária, consoante regra fixada no art. 1.033, IV, do Código Civil.
Acrescentando dois parágrafos ao art. 1.052 do Código Civil[2], a Lei nº 13.874/19 passou a permitir expressamente a sociedade limitada unipessoal originária, com o objetivo de estimular o empreendedorismo.
Em 2011, surge em nosso ordenamento jurídico a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) – art. 980-A, CC – e somente em 2019, a Lei nº 13.874 instituiu a possibilidade de sociedade limitada unipessoal, o que ensejou questionamentos acerca de possível desuso da EIRELI, posto que no campo da constituição, a sociedade limitada unipessoal não exige capital mínimo.
A redação do art. 980-A, do CC alijou alguns pontos deliberados nos debates ao Projeto de Lei nº 4.605/09 – que lhe deu origem –, dando azo à divergência doutrinária a respeito de constituir ou não espécie de sociedade limitada unipessoal, combater a prática de sociedades limitadas de fachada e constituir barreira aos empreendedores.
Apesar do dissenso, forçoso reconhecer que com o advento dessas duas regulamentações, o Brasil passou a adotar dois métodos distintos para a limitação da atividade econômica individual: a empresa individual de responsabilidade limitada (cujo intuito era a limitação da responsabilidade patrimonial do empresário individual, não a instituição de sociedade unipessoal); e a sociedade limitada unipessoal, que no ordenamento jurídico pátrio representa exceção à regra da pluralidade de sócios.
A Lei nº 14.195/21[3], publicada em 26 de agosto de 2021, na esteira das modificações de impacto regulatório da Lei de Liberdade Econômica e dispondo sobre a desburocratização societária, descreve, em seu art. 41 que, “as empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data da entrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo”, deixando, a cargo do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI), conforme parágrafo único do mesmo artigo, disciplinar a transformação referida.
Ainda, a mencionada lei esclareceu uma indagação a respeito da possibilidade de transformação automática da EIRELI em sociedade limitada unipessoal face à perda superveniente da pluralidade de sócios. Por ter revogado o art. 1.033, IV, CC/2002, passa a operar a desnecessidade de alteração contratual para transformação nos casos de dissolução parcial em que reste apenas um único sócio.
Essas mudanças representam, em outras palavras, um modelo de sociedade unipessoal superveniente definitiva, sem que se tenha, a princípio, retirado a EIRELI do ordenamento pátrio[4]. Questiona-se, nesse sentido, a respeito da permanência da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada no ordenamento jurídico brasileiro.
Sobre o ponto, é possível argumentar que o art. 41 cria uma norma de transição para a extinção das EIRELI, ficando o DREI com a responsabilidade de regulamentar e elaborar os efeitos significativos da revogação desse tipo de pessoa jurídica de direito privado sobre o direito material, para embasar a inexistência e, consequentemente, revogação da EIRELI.
Esse posicionamento justifica a compreensão a partir da qual, a determinação compulsória de transformação seria inconstitucional, porque importaria em violação à liberdade de escolha do empreendedor, corolário do art. 170 da Constituição Federal.
Por outro lado, conforme entendimento de Sérgio Campinho sobre o tema[5], resulta da interpretação do texto normativo e seria medida mais oportuna e conveniente para o mercado, a partir de seu conjunto orientador, que o art. 41 da Lei nº 14.195/21 revogasse o inciso VI do art. 44 e o artigo 980-A, ambos do Código Civil, por incompatibilidade – art. 2º, §1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Certo é que, independentemente do posicionamento, a hipótese de revogação tácita é complexa, posto que nem sempre a incompatibilidade entre normas é objetiva e explícita. Assim, é premente a necessidade de edição de novo instrumento normativo, ou de regulamentação do DREI que seja efetiva e manifesta quanto à coexistência, ou não, dessas duas figuras societárias.
Fonte: JOTA