Como ícones de privacidade podem funcionar como rótulos de alimentos

Setor de alimentos pode servir como inspiração para que os ícones de privacidade encontrem suas próprias medidas corretas. A experiência do setor de alimentos pode servir como inspiração para que os ícones de privacidade encontrem suas próprias medidas corretas e fundamentos.

No último mês de junho, durante o lançamento do novo sistema operacional para computadores MacOS Big Sur, a Apple explicou suas novas práticas de privacidade. De acordo com a empresa, a nova abordagem de comunicação adotada para falar sobre dados dos usuários se inspirou nas tabelas de valor nutricional dos rótulos de alimentos. A justificativa é que, a partir do modelo visual, a transparência sobre o armazenamento e o tratamento dos dados dos usuários será ainda maior.

A ideia desse tipo de ação vai de encontro a descobertas científicas que demonstram que representações visuais ressoam com os leitores, reforçando o caráter didático e de simplificação de mensagens visuais.

Nesse contexto, o Legal Design tem proposto soluções interessantes para as discussões contemporâneas sobre documentos jurídicos. Além da visão acadêmica, a inserção prática do conceito no mercado tem feito com que os benefícios daferramenta fiquem cada vez mais claros.

É neste ponto que faço uma reflexão. E se – a exemplo do que fez a Apple – passássemos a basear os avisos de privacidade em aplicações dos mais variados setores da economia?

A abordagem visual já testada e aplicada em outros mercados poderia fazer com que Legal Design tivesse ícones de privacidade, informações em camadas, layouts estruturados e outros instrumentos visuais que transmitissem melhor determinada mensagem. E já que o objetivo do design jurídico é trazer clareza e transparência para materiais técnicos, certamente a experiência de terceiros seria bastante enriquecedora.

Esse aprendizado poderia ganhar ainda mais relevância no Brasil, considerando a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que pretende garantir aos cidadãos valores como privacidade e transparência em relação ao trato de suas informações digitais.

No atual momento, em que avisos de privacidade precisarão ser compreensíveis para todo mundo, nada faz mais sentido do que debater formas práticas de começar a transição dos longos textos, recheados de “juridiquês”, para abordagens visuais.

Pensando nesses cenário, o setor de alimentos emerge como uma das referências para o meio jurídico. Há algum tempo, os rótulos das embalagens de comida precisam conter informações sobre a origem do produto, lote, validade, informação nutricional e alergênicos, por exemplo. As leis desse setor foram definidas com o objetivo de trazer transparência para o consumidor.Contudo, no meio desse debate sobre a importação de padrões visuais do setor de alimentos no que tange à apresentação de informações , é importante lembrar as diferenças entre os documentos jurídicos e as embalagens de comida. O primeiro fator é que, apesar das leis e normas que obrigam os rótulos a informar sobre valores nutricionais, é muito complicado medir o comportamento do consumidor de maneira objetiva.

Além disso, sabemos que as embalagens causam diferentes reações nas pessoas. Variam da indiferença de quem não se importa em receber certas informações à reação negativa de quem preferiria não recebê-las. Tudo isso está, entre outros fatores, relacionado ao nosso cérebro, que valoriza recompensas imediatas e desvaloriza recompensas de longo prazo.

Esses vieses de comportamento que foram verificados na relação dos consumidores com os alimentos também podem ser levados em conta quando se trata de ícones de privacidade. No caso de possíveis aplicações visuais nesse tipo de documentos jurídicos, ainda existem lacunas no entendimento sobre o aceite do mesmo e a experiência concreta do usuário. Por causa disso, ainda é difícil determinar, com objetividade, qual será a experiência das pessoas a partir da decisão de concordar com um ícone de privacidade.

Além de informações acadêmicas, o setor jurídico já possui suas próprias bases para criação de representações visuais. A partir da retórica clássica do Código Civil Suíço, a reprodução em figuras dos documentos jurídicos precisa respeitar os seguintes princípios:

1) Aplicação de elementos gráficos extraídos da iconografia legal tradicional;

2) Adequação ao tempo e lugar;

3) Adequação ao público-alvo (por exemplo, idade, histórico etc);

4) Conformidade com os princípios da psicologia da Gestalt (por exemplo, simplicidade, clareza, organização etc); e

5) Estética.

Outro ponto interessante que joga a favor da aplicação dos ícones de privacidade é que diferentemente do mercado de alimentos, cujas regulações foram debatidas e aplicadas por meio de projetos de lei, o cenário jurídico tem o privilégio de debater esses exemplos como oportunidades de aplicação.

Portanto, mesmo que a experiência em relação aos rótulos de alimentos possua lacunas, a possibilidade de realizar testagens como essas no setor jurídico será de grande valia para todos que consideram que a metodologia do Legal Design pode avançar com testes práticos. A experiência do setor de alimentos pode servir como inspiração para que os ícones de privacidade encontrem suas próprias medidas corretas e fundamentos.
fonte: JOTA

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