A questão das provas ilegais sob o enfoque do compliance empresarial

Nas últimas semanas, muito se noticiou sobre o vazamento de mensagens trocadas em aplicativos de mensagens pelos integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato, e como seu conteúdo poderá - ou não - ser utilizado para apurar eventuais responsabilidades, independentemente da natureza delas (civil, penal, administrativa, disciplinar).

Com efeito, o hackeamento de dados é crime tipificado no artigo 154-A do Código Penal, com a redação que lhe foi dada pela Lei 12.737/2012. Ou seja, no caso, os dados foram obtidos pela prática de crime, o que torna sua utilização como prova inadmissível em quaisquer processos, frente à garantia que todo indivíduo goza de não poder ser investigado, acusado ou processado mediante o uso de prova ilegalmente obtida, conforme reza o artigo 5º, LVI da Constituição Federal: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”.

De outro lado, há a questão fundamental que sempre assombra o debate quanto à utilização da prova obtida ilicitamente: E se o conteúdo é verdadeiro? Poderá o Judiciário fechar os olhos para a verdade real?

A resposta não é simples, muito menos definitiva.

Como Corte de Justiça assumidamente garantista, há no Supremo Tribunal Federal entendimento no sentido de que, desde que a prova obtida por meio ilícito sirva para atenuar a condição do réu, ou especialmente absolvê-lo, seria possível sua utilização, aplicando-se, nesse caso, ponderação entre os princípios da proibição da utilização da prova ilícita e o da ampla defesa do réu que, desse modo, deverá prevalecer em detrimento do primeiro.

E é a partir desse mesmo entendimento que se pode abordar, também, a questão da produção de provas obtidas sem o consentimento da parte ou, ainda, com o desconhecimento dela, como é o caso de escutas ambientais, gravações de ligações telefônicas, backups automáticos de e-mails e outras formas de registros de atos, eventos e comportamentos que, caso soubesse o indivíduo estar sendo monitorado, agiria de outro modo.

Na rotina das atividades empresariais, sabe-se que muitas conversas, negociações, tratos, reuniões e quaisquer outras formas de inteiração (até por mensagens do popular WhatsApp) acabem se tornando registros importantes para fazer prova do que foi ou não combinado. E, para que não se alegue que tais registros não sirvam como prova, justamente sob o princípio da proibição da utilização de prova obtida por meio ilícito, alguns cuidados são necessários.

Em ambiente corporativo, no qual colaboradores e terceiros utilizem equipamento (computadores, celulares, tablets) e redes de internet de propriedade da empresa e, portanto, para uso profissional), é absolutamente recomendável que sejam eles advertidos de que todas as conversas telefônicas poderão ser gravadas, assim como os e-mails monitorados e copiados. Quanto ao registro de imagens em CFTV, importante que os ambientes gravados sejam ostensivamente indicados.

Tais medidas visam, de modo geral, neutralizar eventual alegação de proibição desses registros como prova, uma vez que se poderá alegar, com boa tranquilidade, que nada foi produzido à revelia da parte contrária; muito menos tenha sido o propósito surpreendê-la no conhecido “flagrante preparado”, o que, de fato, inviabilizaria o uso da prova em decorrência da garantia constitucional do réu não ser obrigado a fazer prova contra si próprio.

De outro lado, com relação a mensagens de aplicativos de conversa instantânea (WhastsApp, Instagram) e mesmo e-mails, é absolutamente recomendável que sejam os mesmos objeto de uma ata notarial, pela qual um escrevente habilitado certificará a existência e autenticidade do conteúdo a ele apresentado, seja por meio de impressão das telas ou armazenamento dele de acordo com os meios disponíveis e apropriados.

É óbvio que o conteúdo, especialmente no caso de e-mails ou aplicativos de mensagens, poderá ser refutado pela parte contrária que poderá, inclusive, levantar questões sobre autenticidade, integridade e irretratabilidade de e-mails ou mensagens que, em última análise, somente poderão ser definidas através de perícia. Contudo, embora a possibilidade de discussão sobre o conteúdo, nada haveria a impedir o uso da prova, porque, nesse caso, obtida licitamente e, portanto, imune a qualquer alegação dessa natureza.

O que se tem, afinal, é a possibilidade de produzir, de modo juridicamente adequado, registros de fatos relevantes à atividade empresarial e que poderão servir, no futuro, como provas importantes ao resguardo da empresa e seus negócios, em ações ou discussões nas quais seja ela envolvida, ou necessite defender seus direitos e interesses.

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